Para os cristãos-católicos, religiosos são o pão e o vinho, que
simbolizam o corpo e o sangue de Cristo, a mistura de vida e alegria (porque a
vida, só vida, sem alegria, não é vida...). Pão e vinho devem ser bebidos
juntos. Vida e alegria devem existir juntas. E as pipocas, que é comida e
oferenda sagrada na Umbanda e nas religiões afro-brasileiras?
A pipoca é um milho mirrado, subdesenvolvido. Fosse eu
agricultor ignorante, e se no meio dos meus milhos graúdos aparecessem aquelas
espigas nanicas, eu ficaria bravo e trataria de me livrar delas. Pois o fato é
que, sob o ponto de vista de tamanho, os milhos da pipoca não podem competir
com os milhos normais. Não sei como isso aconteceu, mas o fato é que houve
alguém que teve a ideia de debulhar as espigas e colocá-las numa panela sobre o
fogo, esperando que assim os grãos amolecessem e pudessem ser comidos. Havendo
fracassado a experiência com água, tentou a gordura. O que aconteceu, ninguém
jamais poderia ter imaginado. Repentinamente os grãos começaram a estourar,
saltavam da panela com uma enorme barulheira. Mas o extraordinário era o que
acontecia com eles: os grãos duros quebra-dentes se transformavam em flores
brancas e macias que até as crianças podiam comer. O estouro das pipocas se
transformou, então, de uma simples operação culinária, em uma festa,
brincadeira, molecagem, para os risos de todos, especialmente das crianças. É
muito divertido ver o estouro das pipocas!
A transformação do milho duro em pipoca macia é símbolo
da grande transformação por que devem passar os homens para que eles venham a
ser o que devem ser. O milho da pipoca não é o que deve ser. Ele deve ser
aquilo que acontece depois do estouro. O milho da pipoca somos nós: duros,
quebra-dentes, impróprios para comer; pelo poder do fogo podemos,
repentinamente, nos transformar em outra coisa — voltarmos a ser crianças!
Mas a transformação só acontece pelo poder do fogo.
Milho de pipoca que não passa pelo fogo continua a ser milho de pipoca, para
sempre. Assim acontece com a gente. As grandes transformações acontecem quando
passamos pelo fogo. Quem não passa pelo fogo fica do mesmo jeito, a vida
inteira. São pessoas de uma mesmice e de uma dureza assombrosas. Só que elas
não percebem. Acham que o seu jeito de ser é o melhor jeito de ser. Mas, de
repente, vem o fogo. O fogo é quando a vida nos lança numa situação que nunca
imaginamos. Dor. Pode ser fogo de fora: perder um amor, perder um filho, ficar
doente, perder um emprego, ficar pobre. Pode ser fogo de dentro: pânico, medo,
ansiedade, depressão — sofrimentos cujas causas ignoramos. Há sempre o recurso
aos remédios. Apagar o fogo. Sem fogo o sofrimento diminui. E com isso a
possibilidade da grande transformação.
Imagino que a pobre pipoca, fechada dentro da panela,
lá dentro ficando cada vez mais quente, pense que sua hora chegou: vai morrer.
De dentro de sua casca dura, fechada em si mesma, ela não pode imaginar a
transformação que está sendo preparada. A pipoca não imagina aquilo de que ela
é capaz. Aí, sem aviso prévio, pelo poder do fogo, a grande transformação acontece:
pum! — e ela aparece como uma outra coisa, completamente diferente, que ela
mesma nunca havia sonhado. É a lagarta rastejante e feia que surge do casulo
como borboleta voante.
Na simbologia cristã, o milagre do milho de pipoca está
representado pela morte e ressurreição de Cristo: a ressurreição é o estouro do
milho de pipoca. É preciso deixar de ser de um jeito para ser de outro.