Ele Donato, homem sem nenhum atrativo. Estatura mediana, o que fazia com que Dalva ficasse mais alta quando colocava um sapato de saltos altos. Elegante, charmosa. Ele desengonçado. Por mais que tentasse sua aparência era comum, não despertava interesse. Porém Donato mesmo sem nenhum atrativo era metido a malandro, a conquistador. O cara não tinha desconfiômetro e Dalva desgostosa, entrava num processo depressivo a ponto de perder toda a vitalidade, sem forças e a gaguejar quando tocava no assunto.
Repetidas vezes ele aprontara com ela, apesar de terem um garotinho, beirando os nove anos ao qual Donato não deixava faltar nada. Entretanto quando estavam em casa, aos finais de semana, ele fechava-se num mutismo insuportável, atirado numa poltrona com cara amarrada, de mal com o mundo.
Nada que ela fizesse ajudava a melhorar o quadro, pelo contrário, se ela falasse com ele o mau humor piorava. Parecia que ela era a causa de todo o seu desconforto. Nada estava bom, a família não o consolava. O lar que deveria ser o refúgio depois das horas de trabalho, não significava muito. Nem ele mesmo sabia o que queria. Não procurava através do diálogo encontrar uma solução, junto com a esposa e o filho.
Esta atitude estava minando o relacionamento do casal, que já não andava muito bom, pelas constantes tentativas do malandro em dar umas escapadas de vez em quando. Atitude que ele considerava natural. Fazia parte do balé da vida em seu entender distorcido, de vez que não assumira realmente o casamento e a família. Casara com Dalva porque não queria perder para os amigos, que pareciam um enxame de abelhas ao redor do mel. E como Donato se achava o gostoso do pedaço resolveu por pura vaidade conquistar a morena.
Agora problema criado, família e filho. Como conciliar a vida regrada com o seu jeito descolado de encarar a fidelidade? Que naturalmente servia somente para ele. Não era uma via de duas mãos. Era sentido único. Somente ele se dava o direito de cair na malandragem. Mulher honesta, de família, precisa ficar em casa. Cuidar de seus deveres de esposa e mãe.
Jornada dupla. Trabalhar para ajudar no sustento da família e depois encarar a rotina da casa. Trabalho duro, vida difícil. Trabalhar fora, depois lavar, passar, cozinhar, ajudar nas tarefas escolares. Cumprir com as obrigações de esposa porque o cara era exigente. Afinal era casado e queria chamego, carinho, atenção.
Dalva tentava ser paciente, compreender o marido, principalmente manter um clima saudável dentro de casa, pensando em proteger o filho e criá-lo num lar verdadeiro. Entretanto quando descobria que Deodato estava aprontando novamente, perdia o ânimo, a coragem e a vontade de viver.
Nessas ocasiões a sua beleza murchava, ficava apática, perdia o viço. As amigas tentavam ajuda-la, entretanto, nada que falassem surtia efeito. Era devastador e aparente o estado de tristeza e desilusão que se abatia sobre ela.
Neste estado de espírito, Dalva escutou os conselhos de uma colega de trabalho, sua amiga de muitos anos, que sabia de toda sua estória e como estava sem forças até para retrucar ouviu com atenção.
Foi aconselhada a dar um susto no marido, botar o cara para fora de casa sem dó nem piedade. E depois não permitir que voltasse por um bom tempo. Para aprender que respeito é bonito e todo mundo merece. E a ideia lhe pareceu maluca e assustadora. Teria que ser forte. Não se achava em condições de manter a firmeza necessária.
Voltou para casa ao final do expediente, com meia hora de atraso para pegar o filho na casa da avó, resolvendo telefonar para avisar o garoto e passar antes no supermercado. Fazer umas comprinhas. Queria preparar um jantar mais caprichado.
Devido ao atraso, resolveu tomar uma lotação para chegar em casa mais rápido, sendo que a mesma fazia um trajeto levemente diferente da condução diária que utilizava. E qual não foi sua surpresa, quando em determinado ponto do itinerário viu, com os olhos que Deus lhe deu, Donato abraçadinho com outra mulher. Levou um choque. Parecia que um raio tinha caído em cima dela. As pernas tremiam. Ficou muda. E agora? Descia ou não da lotação? Fazia um escândalo? Ficava quieta? Fingia que estava tudo bem? Meu Deus! O que fazer?
Em pânico lembrou-se da conversa com a amiga, durante o intervalo da tarde, no trabalho. E tomou sua decisão!
Quando Donato chegou, todo faceirinho, encontrou a casa com as luzes apagadas, janelas fechadas. Mais estranho ainda achou, quando não conseguiu abrir a porta. A chave trancou. Tocou a campainha e nada. Chamou repetidas vezes por Dalva e pelo filho. Nenhuma resposta.
Repentinamente olhou para o lado e teve a maior surpresa de sua vida. Malas. Algumas malas, atiradas no gramado, objetos de uso pessoal e um bilhete: Pega tuas coisas e some da nossa vida. Acabou tudo. Não aparece mais. Meu advogado vai te procurar.
O cara quase teve um troço. Não acreditava. Mas o que será que tinha acontecido? Pensava freneticamente. Só não lhe passava pela cabeça que Dalva poderia tê-lo visto. Que descobrira seu novo romance. Que ele considerava sem importância. Só uma aventura temporária.
Como Dalva tinha trocado a fechadura das portas ele não conseguiu entrar e resignado foi para a casa de seus pais, inventando uma estória qualquer, que os mesmos fingiram que acreditaram e no dia seguinte falaram com a nora, esclarecendo tudo e prometendo que não contariam onde ela e o menino estavam.
O processo de separação consumou-se, ele não conseguiu voltar para casa. Precisou arrumar um lugar para morar. Sentia falta do filho, de Dalva, com o capricho da casa. Tudo aquilo que antes não lhe trazia alegria, agora deixava uma saudade imensa no fundo do peito. Como fora irresponsável, pensava. Perdera a mulher em virtude de sua leviandade, sua falta de interesse pela vida em família. Por tentar recuperar momentos vividos na juventude, ideais construídos com bases erradas, em falsa liberdade ou quem sabe libertinagem? Confundira tudo. Achava que ela não descobriria suas escapadas. Ou então que perdoaria sempre, porque era uma pessoa boa e compreensiva. E agora? Dera-se conta que não conhecia bem a mulher. Nunca imaginou que Dalva poderia tomar uma atitude dessas. Agora estava pagando o preço de sua inconsequência. A saudade apertava cada vez mais.
Dalva por sua vez também sofria, mas havia tomada esta atitude porque Donato se encarregara de quebrar o encanto, de pisotear nos seus sentimentos. Estava cansada de ser enganada. Haveria de retomar o rumo de sua vida junto com o filho. Estava disposta a enfrentar com coragem a nova caminhada, as novas escolhas.
E o futuro?
O futuro é construído lentamente, com base em nossas atitudes no presente, no hoje! Pensava Dalva para si mesma, numa forma de aliviar o sofrimento. Quem sabe um dia recomeçaria com Deodato, ou talvez a vida se encarregasse de colocar em seu caminho um novo amor. Alguém para compartilhar, dividir, respeitar e ser respeitada. Para seguir trocando experiências vida a fora. Verdadeiros amigos. Companheiros. Almas afins que se escolhem, fortalecem e amparam pela eternidade.
Lizete - médium do Triângulo.