Ninguém no vilarejo sabe como começou o apelido de Das
Neves porque o nome verdadeiro era Maria Aparecida do Horto das Graças de Todos
os Santos. Foi assim que seus pais a batizaram porque quando nasceu era tão pequenina
e frágil que a mãe tinha até medo de pegar no colo. Parecia um filhote de
passarinho, cabelinho arrepiado e um fiapo de voz que imitava piado de pardal e
os pais com medo que a criança não vingasse fizeram promessa para todos os
santos de sua predileção, prometendo registrar e homenagear todos eles.
Agarraram-se com tanta força na promessa que a menina vingou e cresceu mirrada,
franzina, as pernas pareciam taquarinhas ao vento. Primeiro foi chamada de
Santinha depois trocaram para Sinhá das Neves. Desde pequena tinha a mania de
andar com um raminho verde nas mãos e passava nos animais, no arvoredo e onde
tivesse oportunidade, se as pessoas se descuidassem o toco de gente passava o
galhinho nas pernas dos adultos, resmungando coisas incompreensíveis e fazendo
uma imitação do Sinal da Cruz. Quando a mãe perguntava o que estava fazendo ela
respondia na maior simplicidade que estava “bençoando” e o povo acostumado a
vê-la daquele jeito, sorria e fazia sinal com a cabeça em respeito à benzedeira
em potencial que reconheciam na menina. Quando alguém de brincadeira solicitava
para benzer, Maria do Horto na sua inocência mandava ver na benzedura,
colocando toda a sua concentração, preocupada em ajudar quem pedia.
Seus
pais tiveram que se contentar com aquela filha mirradinha, depois que o doutor
da vila falou que a mãe não podia mais engravidar e que era um milagre ter
sobrevivido, que deviam agradecer a Deus e tratar de criar bem a pequenina e
assim foi feito. O sitio onde moravam ficava num lugar alto e a divisa lateral
dava para uma baixada, com uma névoa constante, deixando a paisagem estranha e
fria. Era natural do lugar, mas o povo supersticioso não gostava muito evitando
passar por ali. Diziam que o mato era
estranho, parecia assombrado. Um dia quando retornava para casa com as amigas,
ela botou o olho num rapaz que conversava na praça e não conseguiu desgrudar a
vista até que ele se achegou para ser apresentado. Era primo dos vizinhos e
passava uns dias por ali. Não se desgrudaram mais e em seis meses saiu o
casório. Os pais ficaram aliviados e agora podiam morrer tranquilos que estava
amparada, tinha o sítio para tirar o sustento e o marido para dar apoio. Ela
pediu ao pai para construir uma casinha na baixada porque gostava da paisagem
sempre verde e abundante e apesar de não fazer gosto ele atendeu ao pedido e
ajudou o genro a construir o bangalô. Foi ali que ela conheceu a felicidade e
as delícias da vida de casada e deu a luz aos dois filhos que Deus lhe mandou.
A vida não era mansa, mas também não careciam de nada, o marido era trabalhador
e gostava de uma horta bem organizada, cuidando com capricho do sítio e da
criação de frangos, que implantou aos poucos. Não faltava nada para eles,
apenas a saudade dos pais dela que haviam partido desta para melhor tão logo nasceu
o primeiro neto. E naquela baixada cresceu a fama de benzedeira depois de ter
curado uma impingem das brabas que o filho caçula da Dona Cotinha tratava há
meses com o médico da vila e não tinha jeito de ceder. Com a benzedura e os
medicamentos receitados o “impingi” sumiu e a novidade se espalhou rápido e
quando perguntavam onde ela morava diziam procura lá no lado das neves,
referindo-se a neblina quase constante do lugar. E o modo de localização pegou
de tal forma que passaram a chama-la de Das Neves. Quando alguém tinha qualquer
indisposição antes de ir até a vila consultar com o doutor, passava na casa
dela e pedia para benzer, porque sabiam que se não fosse o caso ela indicava o
médico e podia ter certeza que era tiro e queda. Diziam até que era meio médica
meio bruxa boa e estavam acostumados a vê-la sempre com o raminho nas mãos,
resmungando baixinho, passando o verdinho na pessoa ou muitas vezes, cortando
algo imaginário no ar, que só ela via ou sabia. Depois que benzia entregava um
saquinho com as folhas que usara com a recomendação de queimar e espalhar as
cinzas, mas somente depois de ficar curado. Era respeitada no lugar, benzia
para problemas de pele, de respiração, verrugas, cobreiros, dor de barriga,
entupimento, dores de tudo quanto é jeito, torceduras, nó nas tripas, problemas
nos ossos, olho gordo, criança tresnoitada e ainda de lambuja dava uns
conselhos muito bons que só faziam aumentar a sua fama. Diziam que conversava
com os mortos, o que era verdade, porque tinha a companhia de uma índia velha
curandeira, que orientava no uso das ervas e no modo de benzer conforme cada
caso. Algumas vezes mostrava que não era caso de benzedura e sim de mudança de
hábitos, ou uma chegadinha à Casa de Caridade, pra afastá algum encosto e podes
crer que dava certo. Outro dia ela encaminhou um conhecido para o pastor curar e
o rapaz ficou novo em folha com o descarrego. Tudo que Das Neves fazia era por
orientação de Aracaty uma índia xamã dos antigos povos Aymorés, descendentes
dos Atlantes que vieram parar nas costas brasileiras e aqui fundaram uma
civilização promissora e por amor a esta pátria e ter laços afetivos de um
passado longínquo com Das Neves, aceitou ser sua mentora e guia nesta
encarnação, repassando seus conhecimentos ancestrais com a magia das ervas e
dos benzimentos para serem aplicados na cura dos necessitados.
O
dia para elas iniciava bem cedinho sempre com alguém
batendo palmas no portão e quando a viam espiar na porta iam logo dizendo:
Sinhá das Neves...Por favor faz alguma coisa...
Lirializ