Ele
nasceu mestiço logo após a decretação da Lei Áurea - libertação dos
escravos. Filho bastardo de um português abastado, atacadista e importador
de bacalhau bem sucedido estabelecido no Rio de Janeiro. Sua mãe, negra filha
de africanos que vieram para o Brasil escravizados, nasceu na senzala. Exímia
cozinheira, trabalhava para o português atacadista e aprendeu com uma luzitana
mais velha a arte culinária e dos temperos do além mar. Logo fazia saborosos
quitutes de peixes e bacalhoadas que deixavam o patrão em deleite gustativo e
com lascívia a olhar suas curvas voluptuosas. Não tardou, era amante do
português e se "descuidou" ficando grávida. Para ninguém suspeitar,
mandaram-na para o interior do Rio a título de cuidar da mãe adoentada e senil.
Quando nasceu o mulatinho, voltou a cidade e reassumiu sua função de cozinheira
na mansão do fidalgo e rico patrão. Entregou-lhe o filho em segredo e o mesmo
prometeu nunca deixar-lhe faltar nada, mas ela teve que jurar que não mais o
veria pelo resto da vida para manter em segredo o fato de ser sua amante e mãe de um
filho do patrão.
O menino foi entregue ao negro
Tibúrcio, mais conhecido como mestre Tibuca, exímio pescador e capoeirista,
além de iniciado nas artes divinatórias dos Orixás, pois seus pais foram nagôs
e ele iniciado no conhecimento oculto dos Deuses Yorubanos por sua mãe,
que tinha sido sacerdote - Ialorixá - fundadora dos primeiros candomblés
baianos. Mestre Tibuca era líder de uma comunidade de pescadores nas
areias de Copacabana e quando não estava no mar pescando, se encontrava nas
areais ensinando a fazer redes ou ao som dos atabaques e berimbais com seus aprendizes a lutar capoeira. A noite, jogava búzios em sua choupana e uma
vez por semana comandava um xirê - toque, canto e danças - para os Orixás num
barracão no alto da mata e que dava de frente para o mar. Mestre Tibuca era
muito respeitado, por seu caráter justo, conhecimento do mar, da capoeira e da
magia com os Orixás. Muitos comerciantes abastados do porto aduaneiro do centro
da cidade, vinham até ele para contratar seus serviços divinatórios e pedirem
axé aos Orixás.
Assim lhe foi entregue o rebento mulatinho
filho de negra cozinheira com o português bacalhoeiro rico, em verdade seu
principal cliente. Foi-lhe prometido uma gorda pensão mensal até o menino se
tornar um homem feito. Pai Tibúrcio de Oyá, como era conhecido o mestre
pescador e capoeirista na comunidade iniciática dos negros
"macumbeiros" da época, jogou os búzios e o menino era esperado pelos
Orixás. Deveria ser preparado em todas as artes mágicas, pois deveria ser o
futuro sucessor de Pai Tibúrcio como babalaô, sob a égide da grande mãe das
águas, Yemanjá, que era "dona" do Ori - alto da cabeça - do menino. A
partir de então ele passou a se chamar Olimar, àquele que viveria de frente ao
mar.
O mulato Olimar cresceu aprendendo rápido tudo
que Pai Tibúrcio o ensinava. Tornou-se um estupendo lutador de capoeira, com
agilidade impressionante nas pernas. Era conhecido como pé grande. Um caboclão
de mais de 1,90 metro, fortíssimo, ágil pescador e se considerava futuro
sucessor de Pai Tibúrcio no barracão dos Orixás. Somente seu pai adotivo
conseguia impor-lhe limites, pois todos o temiam pela força física e destreza
ao adentrar o mar vencendo as ondas.
Os anos passaram generosamente, sem
maiores preocupações.
Pai Tibúrcio, já velho, um dia chamou
a todos da comunidade e disse que era chegada a hora, dele partir e que não
demoraria sete - 7 - luas para o seu retorno ao mundo dos Orixás. Seu sucessor
era seu filho do coração, o mulato Olimar. Todavia, ele só seria plenamente um
Babalaô dominando integralmente a arte divinatória ancestral após um período
probatório de 7 anos, uma espécie de batismo de fogo, conforme indicavam os
búzios comunicando a vontade das divindades, especialmente Iemanjá, sua
regente. Este tempo seria necessário para ele comprovar na prática a humildade
requerida para ser um sacerdote de verdade frente à comunidade religiosa,
dominando seu temperamento altivo diante das provações que passaria. Durante
este período setenário, a qualquer momento os Orixás poderiam interromper
seu sacerdócio.
Passados sete dias Pai
Tibúrcio desencarna suavemente dormindo. Após o período de encomenda do seu
espírito e resguardo da comunidade conforme os preceitos nagôs, assume o
comando espiritual do barracão Pai Olimar de Yemanjá. Após curto espaço de
tempo, todos já tinham esquecido da recomendação de sete anos de provação, notadamente
Olimar. Já estava envolvido com mulheres casadas, cobrava altos valores por
trabalhos de magia, batia em todos que o enfrentavam nas rodas de capoeira com
violência extrema e se gabava da sua força e poder com a magia, pois sua “macumba”
era forte, e se vangloriava aos ventos de ser o melhor pescador de todos. Nem
bem tinham passado 3 anos, era temido, assustava com sua força física, soberba
e empáfia, eis que não escutava ninguém.
Certo dia, em que o
barracão fazia os preceitos para a festa anual de Oyá, Orixá dono do axé da
casa, tendo seus fundamentos sido feitos pela africana mãe de Pai Tibúrcio, na
época ainda viva, resolve Olimar entrar no mar para pescar, mesmo sabendo que
era proibido pela “lei do santo”, dado que nas festividades de aniversário ele
como filho de Yemanjá e do seu axé não podia entrar no mar, pescar ou comer
qualquer tipo de peixe fora do barracão, uma espécie de interdição e delimitação de espaço, pois
seu Orixá estaria sendo cultuado e homenageado junto com os demais dentro do
barracão e ele devia respeitar o seu espaço sagrado, ponto de força na
natureza, no caso o mar e tudo que dele provinha. Em verdade ele deveria ficar
em resguardo preparando as obrigações e seus elementos rituais.
Mas Olimar era teimoso, orgulhoso, não
aceitou a interdição dos mais velhos e resolveu ir pescar. Olhando o mar, dia
claro, ensolarado e sem vento, dasafiou-o e escarneceu dizendo que voltaria com
a rede cheia, que Yemanjá não o desampararia. Realmente, entrou no mar e jogou
a rede. Nunca havia pego tantos e belos peixes. Suava para puxar a rede e
tirá-la do mar. Já estava quase no fim e repentinamente algo puxa a rede com
muita força para o fundo, seu pé esquerdo, por sinal enorme, não por um acaso
era chamado de pé grande, fica misteriosamente enroscado na rede e ele cai no
mar. Nada com todas as suas forças e a canoa fica cada vez mais longe. Parece
que tem uma "baleia" enroscada na rede. Quanto mais ele nada, mais
pesada a mesma fica. Extenuado, com um Sol causticante batendo-lhe na cabeça,
que latejava e queimava como se tivesse pegando fogo, o mar o engole e ele é
puxado para baixo. Tranca a respiração por algum tempo, até que o pulmão não
aguenta mais e se enche de água. Em segundos enxerga Pai Tibúrcio a sua frente,
nas profundezas de um mar límpido, de um azul cristalino. Com uma aureola
amarelo dourada em volta da sua cabeça, Pai Tibúrcio lhe fala:
- meu filho amado,
Yemanjá te chama de volta, ela que é dona do teu Ori, da tua mediunidade, e é verdade que ela não te deixa desamparado, por isto ordenou tua volta. Não seguiu a tua programação reencarnatória e Yemanjá zela por ti e para não caíres mais ainda ela te entroniza no Reino mais uma vez. Estavas em período
probatório, lembra, mas foste vencido pelo teu orgulho ao invés de um vencedor
pela modéstia. Mas não te aflige, se te fizeste grande frente aos olhos dos
teus companheiros da carne, terás que aprender a ser pequeno no lado de cá,
pois o que importa é o tamanho da humildade e do amor no coração para os que
estão juntos contigo quando retornares para a matéria densa.
Sua canoa voltou sem ele, cheia de
peixes como ele havia dito. Assim, o
mulato Olimar retornou para as lides de Aruanda. Hoje aprende a ser pequeno, como
um soldadinho de Ogum no Astral, uma “criança” - Erê - atuando no reino de Yemanjá, à beira mar e frente as ondas, auxiliando as falanges socorristas nas descargas energéticas e demandas astrais com a magia dos
Orixás na sagrada Umbanda. Ele responde pelo nome de Pedrinho da Praia, e seu
ponto cantado, chorado, mais para um fado de saudade, diz:
Tão grandes as pegadas na areia que eu deixei,
Tão distantes dos entes que amei,
Marei, marei, marei, marei,
Yemanjá é Orixá de lei.
E.T: enredo contado para Norberto Peixoto pela entidade Pedrinho
da Praia, que quando se manifesta joga sal grosso em todo o terreiro. É um “cosminho” - ou Erê -, que se apresenta nas giras paramentado como um soldado da idade média. Diz que
é pequeno frente aos demais “Oguns”, para domar o enorme orgulho de outrora. Se fortalece para reencarnar como médium na Lei de Pemba,
na sagrada Umbanda, e quem sabe não falhar novamente, como todos nós encarnados estamos sujeitos a qualquer momento.