RAMATIS: — Entre os
diversos acontecimentos narrados pelos evangelistas e sumariamente modificados
posteriormente pelos exegetas católicos, a cena da acusação indireta de Jesus centra
Judas, se fosse verdadeira, seria um dos mais graves e censuráveis desmentidos aos
seus profundos sentimentos de amor, ternura e perdão tão sublimes, que, nos extremos de sua
agonia, no ato de sua crucificação, quanto aos seus algozes, o fez dirigir ao PAI aquela
rogativa de misericórdia infinita: "Pai! Perdoai-lhes porque eles
não sabem o que
fazem".
E' quase inacreditável que, depois de se configurar o Amado Mestre como a
maior expressão de amor e de renúncia na Terra, o reduzam ao caráter de um homem
comum, ressentido e
intrigante, pecando pelo julgamento antecipado da "possível" traição de um
discípulo!
Conforme narra o evangelista João, cap. XIII, vs. 21 a 30, primeiramente
Jesus exclama: "Em verdade, em verdadevos digo que um de vós me há de
entregar". Após os apóstolos recuperarem-se da angústia daquela acusação velada, e, em seguida às
indagações aflitivas de Pedro e João, eis que o Mestre, num gesto de delator vingativo
responde: "E' aquele (o traidor) a quem eu der o pão molhado. E tendo molhado o pão,
deu-o a Judas, filho de Simão Iscariotes". E a narrativa de João
acrescenta: "E atrás do bocado de pão entrou em Judas o Satanás!"
Em tal acontecimento tão
comprometedor, faltaria ao Mestre, sempre gentil e benevolente, até o resquício da
piedade comum nas
criaturas de relativa formação moral, pois ele teria acusado o seu discípulo em público,
por um ato abjeto de que
apenas tinha pressentimento! Mateus, cap. XXVI, vs. 21 a 25, não descreve a cena do pão
molhado entregue a Judas
como o libelo acusador, mas ainda é mais chocante contra a linhagem angélica do
Mestre, pondo-lhe nos lábios as seguintes palavras acusatórias e da maldição: "O Filho do
homem vai, certamente, como está escrito dele; mas ai daquele homem por cuja
intervenção há de ser entregue o Filho do homem; melhor fora a tal homem não
haver nascido!"
E, respondendo Judas, o que o traía, disse: "Sou eu, porventura, Mestre?"
Disse-lhe Jesus: "Tu o dis-seste". Ora, no caso, Jesus não só
desejaria a Judas um fim trágico e abominável, como ainda o acusaria brutalmente diante dos
demais discípulos e companheiros, confirmando que era ele o traidor! E se
"atrás" do bocado de pão molhado entrou Satanás em Judas, conforme narra João, então é óbvio que,
até aquele momento, Judas ainda não havia deliberado trair o seu Mestre; e que
isso só lhe ocorreu depois que Satanás o tomou no ato da ingestão do bocado de pão molhado
e abençoado ali na mesa santa!
Do livro SUBLIME PEREGRINO.