Nara
chegou cedo à praia, pois queria pegar um bom lugar pertinho do mar e ficar
lagarteando na areia, depois curtir um bom livro, debaixo do guarda-sol. E isto exigia algum sacrifício porque se
demorasse, ao chegar a praia estaria congestionada, sem um lugarzinho disponível
para fincar acampamento. E ainda por cima teria de ficar ao lado de algumas
famílias que se apropriam de vários metros quadrados de areia, com crianças
berrando, correndo, jogando areia para todos os lados, as mães gritando
desesperadas e ameaçando chamar o Salva-vidas caso se aventurem no mar, com
água acima dos joelhos.
O sol estava maravilhoso e o céu
azul sem nuvens, anunciava um belo dia de verão, para curtir o mar, que por
sinal não estava nem aí para os veranistas, porque apresentava aquela cor
característica de chocolate e que alguns dizem que é iodo. Faz bem para a pele.
Só não faz bem para as roupas de banho que ficam encardidas e com areia escura
nos fundilhos, tendo que ficar de molho por horas a fio para limpar. Ah! Mas
são pequenos detalhes que não estragam o prazer de um bom banho de mar. Ainda
mais que a água estava morninha, gostosa. Seria caldo de xixi? Com tanta gente
dentro d’água, quem pode saber? Com tantas pessoas que levam para a praia
chimarrão, muita água para a criançada, cerveja, caipirinha, suco, milho
cozido, sanduiches, bolachinhas de todo o tipo e mais as frutas como a banana,
maçã, que são fáceis de comer e de empanturrar a gurizada. Há também aquelas
que levam galinha com farofa e montam uma barraquinha ou um guarda-sol e ficam
o dia todo, praticamente torrando na praia e quando voltam para casa mudaram de
cor, algo meio entre o pimentão e o camarão. E dele choro de criança, com
febre, com dor de ouvido, dor de barriga, desconforto na pele queimada. Outras
de tanto brincar nas pocinhas de água formadas pela maré ou nos riachinhos
inocentes que deságuam no mar, pegam micoses e todo tipo de alergia possível e
disponível naqueles reservatórios de poluição que ficam placidamente esperando
os incautos.
Com tudo isto e um pouco mais a
meninada e muito adulto também sente vontade de fazer xixi, tem dor de barriga
porque comeram e fizeram misturas além da conta e sentem enjoo. E daí onde que
elas vão desaguar e desandar todo desconforto que sentem? Ora direis ver
estrelas! No mar. É claro, claríssimo. No mar que é o local de mais fácil
acesso. Até porque nem sempre dá tempo de correr para os cômoros. E os
banheiros químicos ainda não estão disponíveis em toda a orla. Alguns ficam bem
longe da praia e sem indicação alguma. Daí é claro que o lugar escolhido por
estar mais disponível é o mar.
Nara era relativamente jovem,
bonitona, usava biquínis minúsculos que deixavam seu belo corpinho a mostra e o
fato lhe dava a sensação de diva eterna da beleza. Criticava as mulheres
casadas que logo que tinham os primeiro filho engordavam, descuidando da
aparência. Dos casais que perdem a identidade e passam a se chamar de pai e
mãe. Das mulheres que fazem tudo pelos maridos, alcançam tudo nas mãos deles,
levam a toalha e a roupa quando vão tomar banho, fazem tudo junto, até escovar
os dentes. O marido quando sente sono, chama a mulher para dormir, sem nem
mesmo perguntar se ela está com sono ou quer deitar-se naquele momento. Homens
infantilizados e mulheres maternais, que invertem os papéis e deixam de ser
marido e mulher, perdem a personalidade e se transformam em não se sabe o quê.
Talvez devido a carências trazidas dos seus lares, por incompreensões ou
traumas de infância.
Olhando distraída a multidão que a
rodeava teve sua atenção voltada para um grupo que estava perto e falavam todos
em tom moderado. Prestou atenção e percebeu que ali estava uma família e que
certamente eram bisavó, avó, mãe e filha. Quatro mulheres que se tratavam com
carinho e respeito. A mais nova tratava com tanto amor a mais velha e as
demais, que era impossível não olhar e admirar. Perfeita sintonia entre elas
que estavam se divertindo junto aos demais familiares, sem perder de vista os
cuidados com a mais idosa, que era tratada com amor por todos. Os maridos das
mais jovens e os menores participavam de uma forma tão bonita que Nara que
nunca pensara em casar e constituir família desejou ardentemente ter uma.
Dividir, somar e multiplicar as forças e as energias, com respeito pela
privacidade e espaço de cada um. Difícil de ver hoje em dia. Porque a primeira
coisa que cai por terra nos relacionamentos é a privacidade e a segunda é o
espaço de cada um. Esta história de ambos irem ao banheiro ao mesmo tempo ou
entrar quando o outro está lá devidamente instalado é muito desagradável. As
pessoas querem ter um tempo só para si, mesmo que seja no banheiro. E nem
sempre o outro compreende e até fica ofendido quando o companheiro reclama.
Nara estava absorta em
seus pensamentos quando passou por ela um belo exemplar masculino. Bronzeado,
moreno, alto, dentes de um branco imaculado, musculoso. Olhou para ela e
sorriu. Ela ficou tão perplexa que deixou cair o livro que tinha nas mãos,
levantou estabanadamente e pisou em cima, praticamente enterrando na areia,
estava nas nuvens e tudo parecia ter desaparecido. Somente os dois. Ele
sorrindo, ela com cara de abobalhada. Ele abaixou praticamente junto com ela,
para resgatar o livro e ficaram cara a cara, olho no olho. A mão dele roçou a
dela, um arrepio percorreu a ambos. Nunca mais se separaram. Constituíram
família, vieram os filhos. Chegaram os netos. Ele desencarnou. A dor foi
suavizada pelo bisneto. E naquele dia num futuro distante, estavam reunidas a
beira mar. Nara a bisavó, Mari e avó, Rosa a mãe e Tina a filha. Mais os outros
componentes da família. O amor dava o tom entre eles que se tratavam com
carinho e respeito. Verdadeiros laços que se formam antes mesmo de constituir
família terrena. Espíritos afins que se encontram para continuar a evolução e o
aprendizado juntos. Amores que não se destroem quando mergulham para as
experiências na matéria. E que se fortalecem e se comprazem com as aquisições
morais uns dos outros.
Lizete.