Quando soube que a força de Xangô a regia, que mamãe Oxum a protegia e que Bará a guiava, teve a certeza que estava de volta em casa.
Entrar
em contato com as energias de todos os orixás foi um mergulho de
autoconhecimento e despertar. Sentia que havia se perdido de seu povo, que por
algum motivo sua alma sedenta por conhecimento despediu-se dos seus e lançou-se
no mergulho das encarnações buscando aprender outras culturas. Mas quando por
algum motivo a lei lhe mandou de volta aos seus, foi o encontro mais bonito de
sua vida, estar de novo em casa, as comidas feitas com muito amor e muita
energia sagrada, as festas, as danças aos orixás, o chão do terreiro, o carinho
dos mais velhos que pacientemente ensinavam os fundamentos daquele culto, sete
dias reconstruindo seus corpos e sua mente deitado em uma esteira e se
confrontando consigo mesmo, experiências sem iguais que vão ficar pra sempre
gravadas em sua alma.
Não há como esquecer quando Xapanã desdobrou sua visão e a
ajudou a salvar a vida se seu filho evitando que o enfermeiro ministrasse
medicamento errado. Energia que quando chega, “filho de santo” sabe identificar,
neste caso era a energia de Omolú que impulsiona a evolução da Vida.
Mas, mesmo, com a força de todos os orixás em seu Ori, algo
lhe incomodava, sentir-se em casa era maravilhoso, mas ver seus irmãos menores
serem sacrificados para que através de seu sangue ela pudesse conectar-se com o
divino, era algo que não encontrava ressonância em seu coração. E, como sempre
ouviu seu coração, preparou-se para dizer adeus novamente aos seus, e isso doeu,
doeu muito.
Foi embora decidida a levar o culto aos orixás consigo, mas
sem que para isso seus irmãos menores tivessem que ser sacrificados, se fosse
assim, aceitaria ficar mais uma vez longe de casa. Pegou suas obrigações, levou
para sua residência e começou a buscar respostas, mas todos diziam que não
poderia cultuar os orixás como imaginava. Na sua ingenuidade achava que poderia
oferendá-los com frutas e flores, pois ainda não sabia que a única oferenda
verdadeira estava dentro dela e que eles esperavam pacientemente o dia em que
entendesse isso.
Com a ruptura da mão
do seu “pai de santo”, o medo começou a invadir sua mente, coisas sombrias
passaram a acontecer, mas ainda não sabia que era a sua vibração que atraía
aquelas coisas. Coisas que falam ao seu ouvido acocoradas ao lado de sua cabeceira,
quando ia dormir, a energia era tão pesada que lhe derrubava na cama sem
condições de reagir, e no meio do desespero pegava o rosário e pedia pra Virgem
Maria que afastasse os perigos, e sem
saber da força da oração, sentia que aquelas coisas sombrias passavam a ficar
do lado de fora de sua casa, mas ainda assim, quando saia estavam lá.
Desesperada, achava que nunca mais poderia cultuar os
orixás, pois todos lhe diziam que teria que “despachar” as suas obrigações e
para isso teria que no mínimo oferecer uma ave para cada orixá assentado, e que
mais tarde eles lhe cobrariam por ter saído do culto. Mas nada disso ela
aceitava e continuava buscando respostas.
No meio daquele tormento, veio um alento, convidada por uma
amiga foi até um centro de umbanda, era um local onde faziam um ritual de fogo,
não tivera dúvidas, era o fogo de seu pai Xangô. O irmão que comandava a oração
parece que leu a sua aflição, invocou a proteção de Xangô e enquanto falava seu
corpo trepidava sentada na cadeira.
Semana seguinte ela voltou aquele local, foi direto para o
atendimento fraterno, explicou seu problema e na sua confusão perguntou o que
fazer com as coisas das obrigações que estavam em sua casa pois todos diziam
que ficar com aquilo em casa lhe faria um grande mal. Na verdade, queria saber
o que fazer com a sua fé, com o amor que tinha aos orixás. As irmãs que a
atenderam queriam ajudar, mas não poderiam naquele momento interferir em algo
tão particular, em algo que não se muda em um único dia. Mas ela tinha pressa,
sabia que tudo que fizera foi baseado no amor e na fé, nunca ousara fazer uma
oferenda que não fosse para agradecer, e talvez por isso, tivera a graça de
cair nas mãos de pessoas que já estavam na linha de evolução religiosa que
procurava.
Naquela noite mesmo, foi atendida na apometria, e a percepção
do Caboclo Peri que com muita compaixão compreendeu o amor que aquela filha
tinha pelos orixás e a dor que aquela possível ruptura estava lhe causando e
também percebendo o quanto ela havia se comprometido com a lei e manchado seu
espírito, conduziu-a ao desdobramento, puxara pontos de exu, de caboclos e
exaltara os orixás, dissera que era sim possível cultuar os orixás sem derramar
sangue, não lhe dissera o que fazer com as cotinhas, búzios, algdar, guias e
imagens que trouxera para sua casa, pois sabia o quanto aquilo significava
ainda para ela, sabia que cada um precisa de seu tempo, mostrou o caminho, mas
caberia a ela pela lei do livre arbítrio a escolha. No meio daquele rito, algo
se quebrou, como se tivessem sugado para fora dela uma energia muito densa,
achou que ia desmaiar, sentia a dor e a revolta daqueles que a acompanhavam,
queria ajudar, mas naquele momento era ela quem precisava de ajuda, e,
aceitara. O tratamento estava iniciado.
Foi só o começo, talvez não ganhe alta nesta vida, talvez
precise de muitas encarnações para gravar em sua alma que é sim possível
cultuar a sua raiz africana sem ferir seus irmãos de jornada, que estão na
linha de evolução como todas as coisas criadas por Deus.
Naquela noite mesmo, ela retornou para casa e se desfez das
imagens e guias que possuía do assentamento na linha de exu. Não tivera nenhuma
dúvida - aquilo que quebrou estava resolvido – mas faltava as obrigações aos
orixás, pois ali estava representado o amor reencontrado.
No outro dia comprou um baú de vime como o caboclo orientou
e guardou suas obrigações, e esperou, esperou pacientemente até saber o que
fazer, e soube, pois nem tudo na vida se responde em um atendimento, mas quem
tiver ouvidos de ouvir e olhos de ver encontrará a resposta, pois a todo
momento a vida dá retorno, basta abrir o coração para compreender.
Hoje sabe que é muito bom pertencer a uma cultura, a um
povo, mas que a evolução chama para que saiamos do rito e passamos a usar o
conhecimento no auxílio dos irmãos de jornada, sem escravizá-los em obrigações
e oferendas, mas sim mostrar caminhos para que se firmem na fé de forma clara,
conscientes de que todos fizemos parte da obra do criador e, portanto, nos cabe
respeitar todos os tipos de vida.
E a paciente hoje fica muito feliz em poder oferecer aos
orixás a sua alegria, a sua nova concepção de ser parte deste todo e também de poder
auxiliar para que outros pacientes possam ser tratados. Ela sabe que tem muito
mais a oferendar, mas sabe que eles já estão muito felizes com o que ela já
pode oferecer.
Uma filha dos Orixás.