O ENREDO DE TARSILA - UM CASO PRÁTICO.
A noite chegou e a festa estava linda. Os convidados
elegantemente vestidos. Tudo primava pela beleza e bom gosto. O conjunto
contratado para a ocasião iniciou com as músicas escolhidas a dedo e eram tão
envolventes que os pares logo ocuparam a pista de danças, languidamente
abraçados. Os ritmos se alternavam, ora modernos de acordo com o gosto da
juventude, ora mais românticos, para que as oportunidades de dançar estivessem
ao alcance de todos. Tarsila se divertia com os amigos e parentes, porém seu
entusiasmo não era grande. Sentia falta de algo ou alguém que não saberia
precisar. Uma tristeza indefinida que sufocava seu peito a ponto de não conter
os suspiros que brotavam sem controle. Ela por momentos pensou ter divisado em
meio aos casais que rodopiavam no salão um rosto conhecido. Foi até lá e não
encontrou ninguém que se assemelhasse. Aliás, não se lembrava de nenhum
convidado com tais características. Seu coração bateu mais forte. Seria alguém das
relações comerciais do pai? Iria investigar. Porém perdera o entusiasmo e a
festa para ela podia acabar naquele mesmo instante. Ardia de curiosidade. Quem
seria?
No dia seguinte tentou descobrir junto aos amigos,
poderia ser irmão de algum dos convidados, quem sabe o pai conhecia. Mas ninguém
sabia quem era. E ela depois de muito perguntar ficou aturdida, sem saber a
quem recorrer. Os pais perceberam a tristeza que brotou na jovem, mas não
conseguiam arrancar uma palavra que fosse para poder ajuda-la. Não descobriram nada. O tempo passou e a melancolia aumentou a
olhos vistos. Suspiros e mais suspiros pelos corredores da mansão. Olhos
lacrimosos, noites mal dormidas. Até o momento em que não sabendo mais o que
fazer, resolveram apelar para o desconhecido, por indicação de uma antiga babá,
que se afeiçoara a família e ainda trabalhava com eles. A princípio não aceitaram por entender que
era coisa de gente ignorante. Mas como não viam resultado nos tratamentos a que
Tarsila se submetia, resolveram disfarçadamente procurar a tal casa. Roupas e
sapatos mais humildes, sem maquiagem, sem joias, para não chamar atenção. Foram
de táxi para não despertar interesse com os carros importados que normalmente
usavam. Dispensaram até o motorista da família. Somente a babá foi com eles.
Discrição acima de qualquer suspeita, foi o combinado entre eles.
Chegaram à Casa de Caridade Umbandista e foram
atendidos dentro do respeito e ordem que por lá imperava. Era noite de
trabalhos com apometria, nas lides dos atendimentos para distúrbios anímico-obsessivos.
E participaram das entrevistas, palestras, passes e o caso de Tarsila foi
selecionado. Deveriam aguardar no salão principal até serem chamados. Estavam
impacientes e parecia que naquele recinto o tempo não passava. Até que chegou a
vez dela. Ficou sentada em meio a um grupo de médiuns. A mãe rezava e pensava:
que Deus nos guarde e ampare. O que estamos fazendo aqui?
Questionada sobre o motivo pelo qual buscava
atendimento, Tarsila explicou entre choro convulsivo e olheiras profundas a
razão de estar ali:
- Quero morrer para encontrar o grande amor da minha
vida. Ficar com ele por toda a eternidade. É o anjo destinado a mim. E a única
solução para nós é a minha morte. Nada mais me interessa. Inclusive durante a
noite nos encontramos e compartilhamos do sexo que nos completa e estreita cada
vez mais nossos laços.
Assim esclarecido, iniciou-se o atendimento verificando-se
que o tal anjo nada tinha de anjo, era um ser umbralino, desafeto de seu pai, que
apareceu por sintonia vibratória e envolveu a mesma por vingança. Pretendia
leva-la ao suicídio e assim consumar seus sórdidos propósitos de fazer justiça.
A criatura foi percebida pelos médiuns e compreende-se que mesmo sendo
portadora de faculdade mediúnica, o tal ser não se mostrava para ela para não
ser desmascarado. O tratamento a que se submeteu com o comprometimento dos
pais, serviu para restaurar suas forças e prepara-la para o futuro, quando
então deveria encarar a mediunidade como parte de sua trajetória. Todos
engajados, comparecendo a todas as etapas, foi marcado novo atendimento e nesse
dia mais fortalecida, teve a graça de através de um relance visualizar o ser
que se dizia um anjo e seu amor eterno. Nesta oportunidade recebeu explicações
de que se consumasse o ato do suicídio e aquele ser fosse realmente um anjo ou
uma entidade mais elevada que ela, não poderia ficar junto dele, pois que seria
imediatamente atraída para um vale de dor, onde ficam aqueles que atentam
contra a vida. Poderia também amargar nas cidadelas umbralinas sob o jugo de
entidades malfeitoras até apresentar condições para receber socorro, o que
poderia levar séculos. Refeita do susto e decidida a não se deixar envolver em
outra cilada tomou o rumo do estudo e da educação para aprender a lidar com as
tarefas espirituais.
Um novo tempo, uma pausa nas provações para acumular
forças e a pequena família recomeçou com mais segurança a tocar a vida. Agora
frequentavam com regularidade a Casa de Caridade. Tímidos ainda e com passos
vacilantes, porém resolutos em trilhar o novo caminho. Preparando-se ambos para
daqui alguns anos receber este ser como filho e neto querido, derrubando assim
as barreiras do ódio, fortalecendo laços através do amor e do carinho.
Conquistando a serenidade e agregando valores morais e crísticos em suas vidas.
Lizete Iria