Minha irmã: valho-me do "correio do outro
mundo" para responder à sua carta, cheia da sensibilidade do seu coração
de mulher.
Pede-me a senhora o concurso de Espírito desencarnado
para a solução de problemas domésticos no setor de educação aos filhinhos que
Deus lhe confiou. Conforma-me, sobremaneira, a sua generosidade; entretanto, minha
amiga, a opinião dos mortos, esclarecidos na realidade que lhes constitui o
novo ambiente, será sempre muito diversa do conceito geral.
Aí no mundo, entrajados no velho manto das fantasias,
raros pais conseguem fugir à cegueira do sangue. De orientadores positivos, que
deveríamos ser, passamos à condição de servidores menos dignos dos filhos que a providência
nos entrega, por algum tempo, ao carinho e ao cuidado.
Na Europa, trabalhada pelo sofrimento, existem
coletividades que já se acautelam contra os perigos da inconsciência na
educação infantil entre mimos e caprichos satisfeitos.
Conhecemos, por exemplo, um rifão inglês que recomenda:
- "poupa a vara e entrega a criança". Mas, na América, geralmente,
poupamos os defeitos da criança para que o jovem nos deite a vara logo que
possa vestir-se sem nós. Naturalmente que os britânicos não são pais desnaturados, nem monstros que atormentem os
meninos na calada da noite, mas compreenderam, antes de nós, que o amor, para
educar, não prescinde da energia e que a ternura, por mais valiosa, não pode
dispensar o esclarecimento.
Dentro do Novo Mundo, e principalmente em nos País, as
crianças são pequeninos e detestáveis senhores do lar que, aos poucos, se
transformam em perigosos verdugos.
Enchemo-las de brinquedos inúteis e de carinhos
prejudiciais, sem a vigilância necessária, diante do futuro incerto. Lembro-me,
admirado, do tempo em que se considerava herói o genitor que roubasse um guizo
para satisfazer a impertinência de algum pequerrucho traquinas e, muitas vezes,
recordo, envergonhado, a veneração sincera com que via certas mães insensatas a
se debulharem em pranto pela impossibilidade de adquirir uma grande boneca para a filhinha exigente. A morte, todavia,
ensinou-me que tudo isso não passa de loucura do coração.
É necessário despertar a alegria e acender a luz da
felicidade em torno das almas que recomeçam a luta humana, em corpos tenros e,
muita vez, enfermiços. Fora tirania doméstica subtraí-las ao sol, ao jardim, à
Natureza. Seria crime cerrar-lhes o sorriso gracioso, com os ralhos
inoportunos, quando os seus olhos ingênuos e confiantes nos pedem compreensão.
Entretanto, minha amiga, não cogitamos de proporcionar-lhes a alegria construtiva,
nem nos preocupamos com a sua felicidade real. Viciamo-lhas simplesmente.
Começamos a tarefa ingrata, habituando-lhes a boca às
piores palavras da gíria e incentivando-lhes as mãos pequenas à agressividade
risonha. Horrorizamo-nos quando alguém nos fala em corrigenda e trabalho. A
palmatória e a oficina destinam-se aos filhos alheios. Convertemos o lar,
santuário edificante que a Majestade Divina nos confia na Terra, em fortaleza
odiosa, dentro da qual ensinamos o menosprezo aos vizinhos e a guerra sistemática
aos semelhantes. Satisfazendo-lhes os caprichos, dispomo-nos a esmagar afeições sublimes, ferindo nossos melhores amigos e
descendo aos fundos abismos do ridículo e da estupidez. Fiéis às suas
descabidas exigências, falhamos em setenta por cento de nossas oportunidades de
realização espiritual na existência terrestre. Envelhecemo-nos prematuramente, contraímos dolorosas enfermidades da
alma e, quase sempre, só reconhecem alguma coisa de nossa renúncia vazia,
;quando o matrimônio e a família direta os defrontam, no extenso caminho da
vida, dilatando-lhes obrigações e trabalhos. Ainda aí,
se a piedade não comparece no quadro de suas concepções
renovadas, convertem-nos em avós escravos e submissos.
A morte, porém, colhe nossa alma em sua rede infalível
para que nos aconselhemos, de novo, com a verdade. Cai-nos a venda dos olhos e
observamos que os nossos supostos sacrifícios não representavam senão amargoso
engano da personalidade egoística. Nossas longas vigílias e atritos angustiosos
eram, apenas, a defesa improfícua de mentiroso sistema de proteção familiar. E humilhados,
vencidos tentamos debalde o exercício tardio da correção. Absolutamente
desamparados de nossa lealdade e de nossa indesejável ternura, os filhos do nosso amor rolam, vida afora, aprendendo
na aspereza do caminho comum. É que, antes de serem os rebentos temporários de
nosso sangue, eram companheiros espirituais do campo a vida infinita, e, se
voltaram ao internato da reencarnação, é que necessitavam atender ao resgate, junto de nós outros,
adquirindo mais luz no entendimento.
Não devíamos cercá-los de mimos inúteis, mas de lições
proveitosas, preparando-os, em face das exigências da evolução e do
aprimoramento para a vida eterna.
Desse modo, minha amiga, use os seus recursos educativos
compatíveis com o temperamento de cada bebê, encaminhando-lhes o passo,
desde cedo, na estrada do trabalho e do bem, da verdade e da compreensão,
porque as escolas públicas ou particulares instruem a inteligência, mas não se podem
responsabilizar pela edificação do sentimento.
Em cada cidade do mundo pode haver um Pestalozzi que
coopere na formação do caráter infantil, mas ninguém pode substituir os pais na
esfera educativa do coração.
Se a senhora, porém, não acreditar em minhas palavras,
por serem filhas da realidade indisfarçável e dura, exercite exclusivamente o
carinho e espere pela lição do futuro, sem incomodar-se com os meus conselhos,
porque eu também, se ainda estivesse envolvido na carne terrestre e se um amigo
do "outro mundo" me viesse trazer os avisos que lhe dou, provavelmente
não os aceitaria.
CHICO XAVIER / HUMBERTO DE CAMPOS
LIVRO - LÁZARO REDIVIVO.