PERGUNTA: — E que nos
dizeis quanto à significação da cerimônia do "lava-pés", tradicionalmente
consagrada pela Igreja Católica Romana na Semana Santa. Há algum fundamento em tal
consagração?
RAMATíS: — João Batista, o profeta solitário,
havia instituído algumas cerimônias com a
finalidade de incentivar certas forças
psíquicas nos seus adeptos através da concentração ou reflexão espiritual. Isso impressionava os neófi-tos e servia para a confirmação da própria
responsabilidade aos valores
espirituais. Em sua época os símbolos, ritos, talismãs e as cerimônias ainda produziam louváveis dinamizações das forças do espírito ou impunham
respeito e temor religioso. Eram
recursos que serviam como "detonadores"
das forças psíquicas, produzindo profunda influência esotérica nos seus cultores, assim como ainda hoje
fazem os sacerdotes para o incentivo
da fé e do respeito dos fiéis, como são os cânticos, perfumes, a
música e o luxo nas igrejas.
Por isso, João
Batista instituiu a cerimônia do batismo para os heófitos, cuja imersão nas águas dos
rios e dos lagos funcionava como um catalizador das energias espirituais, deixando a
convicção íntima e benfeitora da "lavagem dos pecados" e conseqüente renovação
do espírito para, o futuro. Aquele que se julga realmente purificado de
seus pecados, depois
vive de modo a não se manchar tão facilmente. Mais tarde, João Batista também
organizou a cerimônia do "lava-pés", que simbolizava um evento
fraterno e humilde, como um sentido de igualdade ou denominador comum entre todos os
discípulos e o próprio Mestre. O "lava-pés" era a cerimônia que
eliminava a condição social, o poder político, a superioridade intelectual ou a
diferença entre
os adeptos e o Mestre atuante sob a mesma bandeira espiritual. No momento
simbólico do "lava-pés" o senhor seria o irmão do servo e também o serviria,
porque ambos «ram herdeiros dos mesmcs bens do mundo.
Jesus, humilde e tolerante, aceitou ambas as cerimônias com todo o enlevo
de sua alma e deixou-se batizar pelo Batista, no rio Jordão. Mais tarde, e já no
limiar da grande ceia, ele também deu forma à cerimônia tradicional do
"lava-pés" entre os seus próprios discípulos, como um ensejo simbólico que deveria
evocar os elos de amizade já existentes entre todos. Mas os seus fiéis amigos ficaram
bastante preocupados com o fato de Jesus antecipar a cerimônia tradicional do
"lava-pés" para a quarta-feira, a qual deveria ser feita comumente na
sexta-feira da semana da Páscoa.
Mas a verdade é que o Mestre Jesus não
guardava dúvidas quanto à sua situação cada vez mais desfavorável perante o Sinédrio e
às autoridades romanas, pois algo lhe dizia que seria sacrificado antes do domingo
de Páscoa. Deste modo, ele decidiu-se a proceder a cerimônia do
"lava-pés" na quarta-feira, após a grande ceia, em vez de esperar a
sexta-feira tradicional, pois seria a sua última demonstração de confiança no Pài.
Depois de ter enxugado os pés dos seus discípulos, auxiliado por Tiago, Jesus
ergueu-se e alçou a voz, exortando-os para que prosseguissem corajosamente na divulgação da
"Boa Nova" e do "Reino de Deus", e jamais se conturbassem mesmo
diante da morte. Relembrou-lhes os. motivos fundamentais de sua amizade e união
espiritual, revivendo os ensinamentos de libertação do Evangelho, enquanto recomendava
o amor incondicional, o auxílio à pobreza, o perdão aos algozes, o afeto aos
delinqüentes e a compreensão fraterna às mulheres infelizes. Salientou a força
do espírito eterno
sobre a carne perecível; exortou para que-os seus fiéis amigos jamais tisnassem
a beleza do Cristianismo fazendo conluios com os poderes organizados do mundo de César. A
mensagem cristã deveria ser divulgada tãa pura quanto os lírios dos vales; pois de nada
valiam as honras do mundo material ante a vida imortal. Encheu-os de esperanças novas
pela breve chegada do "Reino de Deus" e incentivouos para uma vida heróica em
sintonia com os princípios mais elevados da redenção e libertação da humanidade!
Ante a dor, o espanto e a consternação de seus discípulos, que lhe
bebiam as palavras repassadas de melancolia e pesar, Jesus voltou-se para Pedro, cujas faces
estavam marcadas de profunda angústia e disse-lhe, de modo eloqüente e profético:
"Pedro, doravante tu serás um pescador de homens, e não de peixes! Sobre
tua fé e sinceridade eu fundamento a minha Igreja! Seja-te o dom do bom falar, do bom ouvir e do bom
agir para o serviço do Senhor!"
Pedro caiu de joelhos, os olhos marejados de lágrimas perante o Mestre
Amado, enquanto os demais apóstolos mal podiam esconder sua comoção. Judas, no
entanto, estava cabisbaixo e roído de ciúmes, incapaz de esmagar o orgulho
e o amor próprio
feridos ante qualquer distinção ou preferência no colégio apostólico.
Jesus encerrou a cerimônia tocante do "lava-pés", e achegando-se a João,
enternecido, fez-lhe amena rogativa:
— João! Minha mãe é tua mãe, porque somos irmãos perante o Senhor!
Na minha falta, sê tu o seu filho!
Em seguida, fez menção de sair, enquanto Pedro e João apressaram-se a
acompanhá-lo; da porta, voltou-se, dizendo a bodos ainda sob profunda emoção espiritual:
— Vós sois meus apóstolos; pregai a palavra do Senhor e anunciai a Boa
Nova do Reino dos Céus sobre a Terra. A vontade do Pai se manifesta em mim e devo
cumpri-la, porque, a hora do meu testemunho é chegada!
Ante a emoção dolorosa que anuviou o coração de todos os discípulos,
pela primeira vez denominados os seus "apóstolos", Jesus afastou a cortina e o
seu vulto majestoso desapareceu nas sombras da noite estrelada, envolto pela
brisa perfumada do jardim
de Gethesamani.
PERGUNTA: — Dizem os
evangelhos que houve resistência de Pedro contra a idéia de Jesus lavar-lhe os pés, pois não se sentia
digno de tal dedicação.
RAMATíS: — Tratava-se de
uma cerimônia habitual entre Jesus e seus discípulos desde o tempo de João Batista;
por isso, não
havia motivo para a recusa de Pedro. Em verdade, durante o momento do
"lava-pés" o Mestre o fazia a cada discípulo, explicando-lhes as razões do
ato e o que significava o seu simbolismo para o futuro. E o próprio
Jesus, repetindo a
indagação de todos os anos, após a cerimônia, assim se expressa aos discípulos, dizendo:
"Sabeis o que vos fia?" E conforme narram os evangelistas, eis o seu
pensamento a respeito
do "lava-pés": "Desde que vós me considerais o Mestre e Senhor,
e eu. assim o aceito e vos lavo os pés, de-veis vós também lavar os pés uns aos outros,
porque eu vos dei o exemplo; e assim o fareis aos vossos discípulos quando vos fizer
mestres. Perante o Pai, o Mestre não é maior
do que o servo; nem o servo é maior do que o mestre. Aquele que lava os pés do discípulo ou do
servo é então grande
perante o Pai, porque por si mesmo se faz o menor" (7).
Aliás, afora João, os demais apóstolos ignoravam que a cerimônia do
"lava-pés" já fazia parte integrante do rito dos Essênios, como
a fase iniciática característica do discípulo que deixa o mundo profano para ingressar
no "Círculo Interno" do mundo espiritual. Além daquele sentido de humildade explicado
por Jesus, como deliberada demonstração de que o "menor" na Terra é o
"maior" no Reino de Deus, ainda existia a significação de que só o
Mestre sabia consolar os seus discípulos e servos, e aliviar-lhes as dores
e as vicissitudes
sofridas nos caminhos e nas sendas do mundo transitório da carne. Sobre os pés
cansados, empoeirados e feridos, concentravam-se as dores e o sofrimento das
longas caminhadas dos
discípulos entre. as desilusões e hostilidades da vida humana; então o Mestre os lavava
com sua ternura, humildade e paciência, deixando-os limpos e aliviado.'; para nova
caminhada.
SUBLIME PEREGRINO.