NO
EVANGELHO NASCENTE Irmão X
Enquanto
o Mestre ouvia alguns doentes na intimidade do lar de Simão Pedro, eis que um
cavaleiro e duas damas se adiantam a consultá-lo.
Vinham
de pontos diversos. Estranhos entre si. Contudo, partilhando a mesma
expectativa, permutavam impressões dando-se a conhecer.
O
rude pescador de Cafarnaum observava-os, atento.
As
ciciantes palavras que trocavam eram realmente chocantes.
Eliakim,
o recém-chegado, era um mercador de olhos astutos que proletava a obtenção de
certa propriedade, pertencente a um dos tios que estava a morrer. Tratava-se de
uma vinha fecunda, suscetível de
aumentar-lhe os bens. Ambicionava-lhe a posse por baixo preço e não se
resignaria a perdê-la. Ouvira tantas alusões a Jesus, que não vacilava em
rogar-lhe a interferência. No condição de mago eficiente, o Cristo, decerto,
lhe facultaria a realização do negócio, sem maior sacrifício. Dea, a mulher
mais idosa, trazia assunto mais grave. Pretendia vingar-se de antiga
companheira que lhe transviara o marido. Via-se agoniada, infeliz. Preferia a
morte à renúncia. Não perdoaria à impostora que lhe deixara o lar deserto.
Vinha
ao famoso Mestre, suplicar-lhe a intercessão de modo a matá-la.
Recompensá-lo-ia dignamente
desde
que pudesse ver Efraim, o esposo, humilhado aos seus pés. Ruth, a mais nova,
passou a expor o
caso
que a preocupava. Queria casar-se, mas Salatiel, o noivo, parecia esquivar-se.
Mostrava-se
desinteressado,
frio. Esperava que Jesus lhe auxiliasse, infundindo ao homem amado mais intensa
afetividade,
de vez que o moço ganhava distância, pouco a pouco.
O
apóstolo registrava um ou outro apontamento, agastadiço.
Ciente
de que o Mestre atendia em sala próxima, demandou o interior e explicou-lhe a
situação.
Os
consulentes revelavam o maior desrespeito.
Eliakim
era um negociante voraz e ambas as mulheres pareciam subjugadas por apetites
inferiores.
Jesus
meditou alguns instantes e, fixando o discípulo, solicitou, prestimoso:
-
Pedro, as tarefas desta hora não me permitem serviços outros. Vai, porém, aos
nossos hóspedes e
socorre-os,
ajudando-me a encontrar o caminho de melhor auxiliá-los.
O
pescador voltou à presença dos forasteiros, dispondo-se a escutá-los, em nome
do Salvador.
Quando
lhes anotou os propósitos de viva voz, enrubesceu, indignado. Levantou-se,
trêmulo, e
gritou
sob forte crise de cólera:
-
Malditos! Fora daqui! O Mestre não aceita ladrões e mulheres relapsas!...
Cravando
o olhar no comerciante, sentenciou:
-
Vai roubar noutra parte! Que a vinha de teus parentes seja o inferno onde te
cures da cupidez!
Aos
ouvidos de Dea, brandou:
-
Assassina! Não somos teus sequazes... Certamente foste abandonada pelo marido
em razão das
chagas
de ódio que te consomem o coração!... Mata como quiseres e deixa-nos em paz.
Em
seguida, concentrando a atenção sobre Ruth, que tremia de medo, o apóstolo
ordenou:
-
Saia daqui, amaldiçoada! A mulher que concorre à posse dos homens não passa de
meretriz...
Amedrontados,
os três abandonaram o recinto, precipitadamente.
Impulsivo,
Simão cerrou com estrépido a porta sobre eles. Ao se voltar, porém, para trás,
na atitude
de
quem triunfara no serviço que lhe coubera fazer, deu com Jesus, que o
contemplava tristemente.
Reparando
que os olhos do amigo celeste se represavam de lágrimas que não chegavam a
cair, o
aprendiz,
como criança estouvada que se humilha à frente do amor paterno, tentou
afagar-lhe as mãos e
falou
em voz modificada:
-
Senhor, porventura não estarás satisfeito? Poderemos, acaso, usar tratamento
diverso para com
aqueles
que nos desfiguram o serviço? Não percebestes que os três se encontram sob o
império de espíritos
Satânicos?
Jesus
acariciou-lhe os ombros, de leve, e respondeu:
-
Pedro, todos podem descobrir feridas, onde as feridas de destacam. Contudo,
raros sabem remediá-las. Não te solicitei formulasses acusações. Para isso, o
mundo está repleto de críticos e censores. Eliakim, efetivamente, traz consigo
o gênio perverso da usura. Dea está sob a influência do monstro da vingança e
Ruth sofre o assédio de vampiros da carne. Entretanto, notei que, ao ouvi-los,
deste, por tua vez, guarida ao demônio da intolerância e da crueldade. Sombra
por sombra, dá sempre um total de treva.
-
Senhor, não me recomendaste, porém, socorrê-los?
-
Sim – acentou Jesus, melancólico -, mas não te roguei desiludi-los ou
desprezá-los. Pedi me
ajudasse
a encontrar o caminho do auxílio e, como sabes. Pedro, eu não vim para curar os sãos...
Pesado
silêncio invadiu a sala.
E
porque o Mestre regressasse aos enfermos, com paciência e humildade, o
discípulo mergulhou a
cabeça
entre as mãos e, olhando para dentro de si mesmo, começou a enxugar as próprias
lágrimas.
Livro
Relatos da Vida - Psicografia Francisco C. Xavier - Espírito Irmão X