Ana
estava se dirigindo para a Casa Espírita, como fazia semanalmente. Frequentava a mesma há bastante tempo e participava
do atendimento de emergência. Diante deles desfilavam problemas de toda ordem. Às
vezes batia um desânimo tão grande, por assistir pessoas que não estavam
interessadas em melhorar e buscavam somente resolverem suas pendengas de forma
imediata e descompromissada. Seres que não entendem que não existe cura sem
merecimento. Os problemas e as doenças fazem parte da nossa caminhada e do uso
dos talentos de que fomos dotados e através dos quais deveremos encontrar as
soluções e não ficar choramingando e pedindo ao Pai Maior, para resolver por
nós que ficamos esperando um milagre acontecer, sem levantar um dedo sequer.
Chegou remoendo os pensamentos e um tanto contrariada
pelas condições climáticas, pelo trânsito caótico, tiritando de frio,
entretanto precisava se concentrar para o trabalho da noite. E assim fez.
Num determinado procedimento, Ana precisou impor as
mãos sobre uma mulher e suas mãos roçaram as mãos de um trabalhador do grupo.
Um choque percorreu o sistema nervoso de ambos e foi explodir na cabeça.
Surpresos olharam-se e não conseguiram desviar o olhar. Estavam anestesiados.
Tentaram disfarçar e continuar. Foram surpreendidos com novo toque de mãos e
tudo aconteceu novamente. Os demais não perceberam e ela pensou que era apenas
uma pequena coincidência, fruto da imaginação. Não falaram sobre o acontecido e
foram cada um para suas casas.
Porém a cada encontro acontecia tudo de novo e cada
vez mais intenso. Até que um dia ele pediu carona, pois que morava a poucas quadras
da casa dela. Quando chegaram ao ponto onde ele deveria ficar, ela parou o
carro e sentiu o coração acelerar, estava tensa e mais tensa ficou quando ao se
despedir ele a abraçou e beijou demoradamente. Sem condições de resistir ela
correspondeu. Um fogo percorreu a ambos
e daquele momento em diante não conseguiram mais ficar separados. Uma loucura.
Antes ou depois dos trabalhos espirituais se encontravam e trocavam longas
juras de amor intenso e insano. Telefonemas. Ficavam juntos sempre que podiam. Ela
em sua total perda de discernimento rezava e pedia ao Pai Maior para que seu
marido se apaixonasse pela esposa dele, pois que assim ficaria bom para todos.
Esqueceu tudo que aprendeu nas lides espíritas. Que cada um é responsável por
aquilo que cria e pela família que constitui. Que ninguém sai impune de seus
desmandos. Que o que se planta se colhe.
O tempo passou e ela esgotada pela intensidade daquele
relacionamento e pela total incapacidade de conciliar as duas vidas que levava,
começou a pensar em deixar a casa espírita, assim poderia ter mais liberdade para
desfrutar de sua cega paixão. Estava resolvida e pediria o afastamento.
Entretanto quando chegou do trabalho sua filhinha apresentava febre alta e não
pode comparecer ao centro espírita. Postergou sua decisão em favor dos cuidados
que a menina necessitava. Passou uma semana afastada de seu grande amor. Teve
sonhos pesados, estranhos, turbulentos, onde se via perseguida e chamava por
ele que não aparecia. Acordava suada, com grande mal estar. Não conseguiu falar
com ele nas semanas seguintes. O desespero começou a brotar em seu coração. Uma
amargura acompanhada de tamanha tristeza que não conseguia respirar. Doía tudo. Mal conseguia levantar da cama no
dia seguinte para trabalhar e cumprir com seus afazeres. Já faziam dois meses
que não se encontravam. Pensou que ia morrer de tanta dor e saudade. Resolveu
sair do trabalho mais cedo e procura-lo. Estava precisando muito sentir sua presença.
E assim fez. Esperou um bom tempo. Ele não apareceu. Encontrou um colega de
trabalho que saía e perguntou por ele. Ouviu o seguinte:
- Ha! Você não soube? A esposa dele teve um bebê
prematuro e ambos estão preocupadíssimos e muito ocupados. Inclusive, ele pediu
transferência para Recife, porque a criança tem problemas respiratórios sérios
e ambos desejam para ela um clima mais saudável. Até já mudaram.
Ana perdeu os sentidos. Quando acordou não sabia onde
estava. Custou a identificar o lugar. Reconheceu o marido e a filha. Estava
esgotada e sem forças. O tratamento foi iniciado. Terapeutas, psicólogos e na
casa espírita. Recusava-se, porém a falar nas causas que deixaram profundas
feridas em sua alma. Uma noite enquanto recebia atendimento, apresentou-se um
amigo espiritual que a reconfortou e explicou o porquê de tamanha
provação. Mostrou a ela um passado distante, onde muito
rica e requisitada, por ser portadora de grande beleza, fazia gato e sapato dos
seus apaixonados, trocando-os como quem troca de roupa, por puro prazer. E
assim agindo desfez o lar de uma prima porque não aceitava ser posta de lado.
Tão logo o moço apaixonou-se por ela trocou-o por outro, deixando-o a mercê da
própria sorte e o lar da prima destroçado. Partiu em viagem para não acompanhar
o desfecho trágico do caso.
Como a vida não deixa nada pendente e vamos colher o
que plantamos, Ana antes de reencarnar escolheu passar pela mesma prova, para
aprender e valorizar as pessoas que estavam ao seu lado. A filhinha era a prima
de seu passado e para a qual deveria dedicar seu amor. O amante abandonado de
outrora era hoje o seu marido. Entre os pretendentes a quem abandonara por puro
capricho, um era o amante atual e outro o filho prematuro do
mesmo.
Pela misericórdia divina, ao entrarmos na matéria para
novas reencarnações, esquecemos o passado delituoso. Porém tão logo tenhamos
chance passamos a tentar manipular tudo ao nosso jeito e conveniências, a nos
exclamar quando algo dá errado, porque não conseguimos pôr em prática nossas
ideias inconformistas ante os desígnios divinos que colocam em nossa estrada
alguns percalços para nos manter na linha. Mas nós doentes da alma, trazemos
gravados em nossos centros de memória eterna, todos os nossos deslizes que vão
desfilando em nossa caminhada para serem corrigidos e reparados. Misericórdia
divina. Pura misericórdia divina. Dá-nos incontáveis chances de reparar nossas
faltas. De escolher o caminho do amor que é a moeda mágica através da qual
pagamos nossos erros e desacertos.
Lizete Iria