De modo geral, a Umbanda não considera os Orixás que descem ao terreiro energias ou forças supremas desprovidas de inteligências e individualidades. Na verdade (e os africanos assim já consideravam), Orixás seriam ancestrais divinizados, que incorporam conforme a ancestralidade, as afinidades e a coroa do médium. No Brasil, teriam sido confundidos com os chamados Imolês, isto é, Divindades Criadoras, acima das quais aparece um único Deus: Olorum, Olodumaré ou Zambi.
Na linguagem e na concepção umbandista, portanto, quem
incorpora numa gira de Umbanda não são os Orixás propriamente ditos, mas seus
falangeiros, em nome dos próprios Orixás. Tal concepção está de acordo com o
conceito de ancestral (espírito) divinizado (ou evoluído) vivenciado pelos
africanos que para cá foram trazidos como escravos. Mesmo que essa visão não
seja consensual, ao menos se admite no meio umbandista que Orixá que incorpora
possui um grau adequado de adaptação à energia dos encarnados, o que seria
incompatível para os Orixás hierarquicamente superiores.
...a respeito da ancestralidade e da divinização de
ancestrais, aparece, dentre outras fontes, a celebre pesquisadora Olga Gudolle
Cacciotare, para que: “Os Orixás são intermediários entre Olórum, ou melhor,
entre seu representante (e filho) Oxalá e os homens. Muitos deles são antigos
reis, rainhas ou heróis divinizados, os quais representam as vibrações das
forças elementares da Natureza, como os raios, trovões, ventos, tempestades,
água, fenômenos naturais como o arco-íris, atividades econômicas primordiais do
homem primitivo – caça, agricultura – ou minerais, como o ferro, que tanto
serviu a essa atividade de sobrevivência, assim como às de extermínio na
guerra”.
Entretanto, e como o
tema está sempre aberto ao dialogo, à pesquisa e ao registro de impressões,
conforme observa o médium umbandista e escritor Norberto Peixoto - livro
Mediunidade e Sacerdócio -, é possível incorporar a forma-pensamento de um
Orixá, a qual é plasmada e mantida pelas mentes dos encarnados. Nas palavras do
médium:
“Era dia de sessão de preto(a) velho(a). Estávamos na
abertura dos trabalhos, na hora da defumação. O congá “repentinamente” ficou
vibrando com o Orixá Nanã, que consideramos a mãe maior dos Orixás e seu axé
(força) é um dos sustentadores da egrégora da Casa desde a sua fundação,
formando par com Oxossi. Faltavam poucos dias para o amací (ritual de lavagem
da cabeça com ervas maceradas), que tem por finalidade fortalecer a ligação dos
médiuns com os Orixás regentes e guias espirituais. Pedi um ponto cantado para
Nanã Buruquê, antes dos cânticos habituais. Fiquei envolvido com uma energia
lenta, mas firme. Fui transportado mentalmente para beira de um lago lindíssimo
e o Orixá Nanã me “ocupou”, como se entrasse em meu corpo astral ou se
interpenetrasse com ele, havendo uma incorporação total”.
(…)
“Vou explicar com sinceridade e sem nenhuma comparação, como
tanto vemos por ai, como se a manifestação de um ou outro (dos espíritos na
umbanda versus dos orixás de ouros cultos) fosse mais ou menos superior,
conforme o pertencimento de quem os compara a outra religião. A “entidade”
parecia um “robô”, um autônomo sem pensamento contínuo, levado pelo som e pelos
gestos. Sem dúvida, houve uma intensa movimentação de energia benfeitora, mas
durante a manifestação do orixá minha cabeça ficou mentalmente vazia, como se
nenhuma outra mente ocupasse o corpo energético do orixá que dançava, o que
acabei sabendo depois tratar-se de uma forma-pensamento plasmada e mantida
“viva” pelas mentes dos encarnados”.
No cotidiano dos terreiros, por vezes o vocábulo Orixá é
utilizado, também para Guias e Entidades. Em muitas casas, por exemplo, é comum
ouvir alguém dizer antes de uma gira de Preto-Velhos: “Precisamos preparar mais
banquinhos, pois hoje temos muitos médiuns, portanto, aumentará o numero de
Orixás em terra”.
Extraído do livro “O essencial do Candomblé” do escritor
Ademir Barbosa Junior (Editora Universo dos Livros).