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sexta-feira, 23 de março de 2012

Sacrifícios rituais


Sendo Deus amor e misericórdia, qual não deve ser sua decepção  ao ver a obra mais perfeita de sua criação, o ser humano, a quem dotou de inteligência superior a dos demais seres vivos e de uma alma imortal com a prerrogativa ainda de poder evoluir através das reencarnações, cometer verdadeiras atrocidades contra todo o resto que foi criado? Onde estaria a coerência e a justiça  de Deus ao criar  os animais para depois ficar indiferente ao fato de vê-los imolados em seu sacrifício? Como imaginar a satisfação dos Orixás, desdobramentos da essência Divina e cujos pontos de força se localizam na própria  natureza, recebendo em oferenda a carne, sangue e vísceras dos mesmos animais que fazem parte da fauna de seus reinos?
Independente de toda discussão sobre a liberdade religiosa e do culto da fé sem restrições, é possível buscar a compreensão para a essência dos rituais que abatem animais em sacrifício as divindades mas que pelo menos consomem a carne durante a celebração, dividindo-a e alimentando todos os participantes. São rituais arraigados em tradições antigas e que tem nestas práticas pontos de fundamentação religiosa. Muito mais difícil porém é o entendimento do ato de sacrificar  dezenas de animais ou aves e deixá-los expostos em vias públicas aguardando a putrefação, juntamente com resíduos de papéis, plásticos e vidro, agredindo a natureza e a sensibilidade de quem não compartilha da mesma crença. Se a muitos de nós espíritos atrasados isto gera constrangimento e piedade, o que se dirá dos espíritos de luz a quem justificadamente se oferece tais sacrifícios alegando-se que os mesmos necessitam desta essência energética?
Será  que um espírito da falange de Xangô, cujo machado jamais pende para o lado da injustiça, necessitaria ou teria satisfação em receber em oferenda um animal que teve sua existência bruscamente interrompida antes de cumprir seu roteiro evolutivo? Que coerência haveria em  imaginar uma falangeira de Oxum, o orixá do amor e da doçura, se locupletando com a energia do corpo sem vida de um  irmão menor? Ou mesmo um Exu de Lei, cuja escolha foi a  de trilhar o caminho da evolução trabalhando junto a crosta e fazendo o intercâmbio entre os seres humanos e as energias divinas , será que não veria neste sacrifício em seu nome um retrocesso na sua jornada evolutiva?
Porém, não podemos ser hipócritas de condenar tais sacrifícios  e depois sentarmos a uma  mesa lotada de iguarias constituídas também de animais abatidos para nosso consumo, fazendo-o sem peso nenhum na consciência. Não é porque o abate se destina ao comércio para alimentação das pessoas que deixa de ser mais dantesco aos olhos do plano espiritual. Esta simplesmente é uma justificativa que convém a nós que ainda necessitamos dos fluídos animalizados para saciar nossos instintos atávicos. Mesmo  não justificando, o abate para consumo ainda encontra respaldo na sociedade por se tratar de algo absolutamente atrelado aos hábitos dos seres humanos e que para serem alterados requerem essencialmente que cada um passe por uma modificação de consciência, o que certamente requer empenho individual ou tempo para que haja tal reforma de maneira coletiva.
Imaginar que diariamente milhões de irmãos necessitados passam fome e  morrem em virtude da falta de alimentos enquanto  apodrecem ao ar livre as oferendas de animais sacrificados e frutas frescas  que poderiam minimizar o sofrimento de muitos espíritos desafortunados, leva a crer que ainda está havendo uma grande inversão de valores do ponto de vista religioso. Sacrifica-se para agradar aos espíritos, orixás, deuses ou seja lá qual for a energia superior visada e muitas vezes não somos capazes de oferecer um prato de comida ao irmão andrajoso que nos estende a mão suplicante, chegando mesmo a olhá-lo com desprezo e asco. Basta pensar em termos de preceitos do Evangelho para concluir qual destas ações teriam mais reconhecimento por parte da força superior a qual visamos agradar. Realizar ou pactuar da morte de um ser vivo na tentativa de fazer um escambo com o plano espiritual somente nos compromete ainda mais aos olhos da Lei Maior. 
Há  quem justifique tais rituais com exemplos do Velho Testamento que mostram um Deus rancoroso e vingativo que exercia sua divindade através do temor que causava nos simples mortais. Relembremos porém um trecho do Velho Testamento, Livro do profeta Isaias, Cap. 1: “Ouvi, céus, e tu ó terra, escuta, é o senhor quem fala: Eu criei filhos e os eduquei; eles porém , se revoltaram contra mim”. “De que me serve a mim a multidão das vossa vítimas? Já estou farto de holocaustos de cordeiros e da gordura de novilhos cevados. Eu não quero sangue de touros e de bodes”.“De nada serve trazer oferendas; tenho horror da fumaça dos sacrifícios. As luas novas, os sábados, as reuniões de culto, não posso suportar a presença do crime na festa religiosa”.
Este mesmo Deus possibilitou que seu Filho  pelo próprio sacrifício voluntário tentasse atingir os espíritos embrutecidos dos seres encarnados para que o amor ao próximo e a todas as criaturas vivas pudesse aflorar e que seu Evangelho de amor pudesse se perpetuar através dos tempos. Infelizmente nossos espíritos infantis ainda são seletivos em assimilar e vivenciar somente aqueles conceitos que nos são favoráveis e que não exigem maiores privações, as quais certamente resultariam em verdadeiras mudanças e no avanço evolutivo.


Adriano - Médium do Triângulo da Fraternidade

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