A infância do menino
Jesus, aparentemente, transcorreu de modo tão comum quanto a dos demais meninos
hebreus, seus conterrâneos, ele discrepava dos demais meninos devido à
sinceridade e franqueza com que julgava as coisas do mundo, sem sofismas ou
hipocrisia. Algumas vezes causava aflições aos próprios país, provocando
comentários contraditórios entre aquela gente conservadora, que jamais poderia
compreender o temperamento de um anjo exilado na carne e incapaz de se acomodar
aos interesses prosaicos do ambiente humano.
A
vida de Jesus transcorreu de acordo com os costumes das famílias judaicas
pobres e de descendência fértil, o que ainda é muito comum na Judéia atual.
Era um menino de olhos claros, doces e
aveludados, de um azul-esverdeado encastoadas na fisionomia adornada pela
beleza de Maria e cunhada pela energia de José! Vestia pobremente, como os
demais meninos dos subúrbios de Nazaré.
Tinha os cabelos de um louro-ruivo, quase fogo, que emitiam fulgores e
chispas à luz do Sol; eram soltos, com leves cachos nas pontas e flutuavam ao
vento. A roupa íntima era de pano inferior, que depois ele cobria com uma
camisola de algodão, de cor sépia ou salmão. Só nos dias festivos ou de culto
religioso ele envergava a veste domingueira de um branco imaculado, sendo-lhe
permitido usar o cordão de neófito da Sinagoga. Sobre os ombros, nas manhãs
mais frias, Maria punha-lhe o manto azul-marinho, de lã pura, tecida em
Jerusalém
Nada ele tinha de
vaidade ou orgulho que o distanciasse dos demais companheiros de infância, pois
era cordial e afetuoso, amigo e leal. No entanto, inúmeras vezes, no auge do
brinquedo divertido, o menino Jesus anuviava o seu semblante, pois seus
sentidos espirituais aguçados pressentiam a efervescência das ciladas ou das
cargas fluídicas agressivas que se moviam procurando atingi-lo em sua aura
defensiva.
Era o anjo ameaçado
pelos seus adversários sombrios, que não podiam afetar-lhe a divina contextura
espiritual, mas tentavam ferir-lhe o corpo transitório, precioso instrumento do
seu trabalho messiânico na Terra. O anjo, pois, é justamente o ser mais alvejado
pela malícia, crueldade, inveja, ciúme e despeito daqueles que ainda são
escravos da vida animalizada do mundo profano!
As Trevas vigiavam-no
incessantemente para desfechar o ataque perigoso à sua delicadíssima rede
neurocerebral, a fim de lesá-lo no contato sadio com a matéria, e isto só era
impedido graças aos seus fiéis amigos desencarnados. Jamais alguém, no Espaço
ou na Terra, poderia ofender ou lesar a contextura espiritual de Jesus, tal a
sua integridade sideral, mas não seria impossível atingir o seu equipo carnal.
Não
há dúvida de que os bons só atraem os bons fluidos e acima de tudo ainda
merecem a companhia e a proteção dos bons espíritos, mas é conveniente
meditarmos em que, nem por isso, estamos livres da agressividade dos espíritos
maléficos, que não se conformam em sofrer qualquer derrota espiritual!
Até aos sete anos,
como acontece a quase todos os meninos na vida material, predominavam em Jesus
os ascendentes biológicos herdados dos seus genitores. Em tal época, ele ainda
agia impelido pelo instinto hereditário da ancestralidade carnal, enquanto o seu
espírito despertava, pouco a pouco, na carne, para então comandar o corpo
emocional ou astralino, revelador oculto das emoções humanas.
Ao completar sete
anos os seus familiares ficaram apreensivos com ele, em face da estranha
melancolia que o acometera, pois algo se revelara dentro de si e lhe roubava a
plenitude comum de alegria. No entanto, era o período em que o corpo astralino
se ajustava ao organismo físico e se consolidava junto do duplo etérico
constituído pelo éter físico da Terra. Dali por diante, como acontece com todas
as crianças depois dos sete anos, Jesus passava a contar com o seu
"veículo emocional", e que o faria vibrar com mais intensidade no
cenário do mundo e na responsabilidade na carne.
As
possibilidades da família só permitiram a Jesus fazer singelo curso de
alfabetização para adquirir o conhecimento primário sobre ás coisas
elementares. Deixou de estudar assim que aprendeu a ler e a cantar os salmos e
os longos recitativos no ambiente severo da Sinagoga de Nazaré, o que era mesmo
comum aos meninos mais favorecidos pela oportunidade educativa. O menino Jesus
sentia dificuldades para estudar à maneira dos alunos comuns, que aceitam e
decoram, sem protestos, tudo o que lhes diz o mestre-escola. Custava-lhe
absorver-se na nomenclatura convencional do mundo, quanto ao sistema primitivo
de memorização maquinal.
No entanto, nenhum homem no mundo assimilou tão rapidamente tantos
conceitos de filosofia, lendas,.narrativas, parábolas e conhecimentos do mundo,
através da escola viva das relações humanas como o fez Jesus!
José e Maria eram paupérrimos e responsáveis
por uma prole numerosa e estranhavam que Jeová, em vez de lhes enviar um filho
de bom senso, prático e semelhante aos demais meninos, onerara-os com um belo
garoto, de um fascínio e encanto especial, de uma agudeza e sinceridade
chocantes, mas impróprio para a época e vivendo na infância a responsabilidade
e os pensamentos de um adulto!
Malgrado
sua doçura, sentimento amoroso, pensamentos limpos e certa timidez, Jesus era
uma "criança-problema", quando incandescia na sua alma aquele
estranho fulgor, que o tornava severo, desembaraçado e irredutível no seu senso
de justiça tão incomum!
A melancolia,
a tristeza, o desassossego e aparentes contradições do menino Jesus eram uma
conseqüência natural do desajuste do seu espírito angélico, cuja vida era
profundamente mental e o fazia sentir-se exilado no ambiente rude da matéria!
As suas esquisitices e excentricidades eram provenientes da sua impossibilidade
de acomodar-se ao meio terráqueo, como o faziam os seus contemporâneos
adstritos aos problemas simplissimos de digerir, procriar e cumprir as
exigências fisiológicas do organismo humano.
A índole
excessivamente contemplativa de Jesus induzia-o a procurar empreendimentos e
atividades insólitas, que pudessem ajudá-lo a compensar as angústias e as
emoções de que sofria o seu espírito superativo. Nos seus impulsos de
libertação, ele penetrava a fundo nos bosques e nas furnas. Malgrado a
advertência prudente do Alto, o menino Jesus expunha demasiadamente o seu corpo
aos perigos do meio agressivo do mundo, enquanto se deixava ficar absorto, em
sua meditação espiritual, horas dentro da noite.
Evidentemente, isso exigia a atenção constante dos seus amigos siderais
e não poucas vezes a "voz oculta" de Gabriel advertiu-o para que não
se expusesse tanto no cenário perigoso do mundo físico. Mas, quem poderia
modificar a índole de um anjo que jamais temia a morte?
Era
destituído de qualquer senso de propriedade dos bens do mundo, deixava seus brinquedos
pelos caminhos, abandonava os apetrechos escolares aos demais meninos, e sem
protesto ou desculpa doava suas sandálias e o que mais pudesse oferecer no momento.
A
noite, junto da família, choviam-lhe conselhos de seus pais e irmãos, que
procuravam ensiná-lo a viver de modo a não turbar as relações humanas. Advertiam-no da imprudência de sua indagação muito antecipada sobre coisas que
não eram práticas e só causavam confusão ou diminuíam os outros pela
impossibilidade de uma solução satisfatória. Que precisava adaptar-se às
circunstâncias do meio, agir cautelosamente, com habilidade e diplomacia entre
os homens. Então o menino Jesus arregalava os olhos, surpreso, e na sua pureza
cristalina indagava, altivo: "Por que devo agir assim? Por que devo esconder
a minha sinceridade e alimentar a hipocrisia?"
Como espírito de
elevada estirpe sideral, aprendia com extrema facilidade qualquer iniciativa do
seu povo, enquanto era o mais exímio oleiro da redondeza, conhecido entre as
crianças do seu tempo. Destro no fabricar animais e aves de barro, às vezes
devotava-se com tal ânimo e perícia criadora a essa arte infantil, que os
produtos saídos de suas mãos arrancavam exclamações de espanto e admiração dos
próprios adultos!
Ele também se
entregava às brincadeiras comuns da época, como o jogo de bolas de pano e de
barro, que eram atiradas sobre obstáculos de madeira, derrubando-os; às
travessuras com cães, cabritos e cordeiros, ou à construção de diques e lagos
artificiais, cujas barcas de pesca ele as construía de gravetos e restos de
madeira sobejados da carpintaria de José; e os guarnecia de remos feitos de
palitos de cedro. As velas dos barquinhos, enfunadas, traíam a contribuição de
Maria, com retalhos de linho e algodão de suas costuras.
Em
geral as crianças hebréias temiam Jeová e bem cedo aprendiam a respeitá-lo e à
sua Lei, certos de que ele espiava-lhes as traquinagens habilmente escondido
atrás das nuvens. Nos dias tempestuosos, em que as torrentes de água se
despejavam dos céus, as mães então predicavam aos filhos que Jeová estava
zangado com os meninos desobedientes, e por isso atirava setas de fogo e raios
incandescentes, partindo árvores e abrasando a Terra! Jesus então arregalava os olhos sem qualquer
temor, pois não podia admitir qualquer noção de castigo ou de ira por parte do
Pai que estava nos céu.
Às
vezes, sua silhueta recortava-se nítida sob a luz incandescente dos relâmpagos;
então erguia os braços e cantarolava alegre, como se quisesse abraçar os
relâmpagos e traze-los em feixe, para casa! Os gritos jubilosos de Jesus confundiam-se com
os brados de Tiago e Eleazar, seu tio e irmão, que o chamavam desesperadamente.
Era
um anjo destemido e sabia que mediante aquela tempestade ruidosa de trovões e
raios ameaçadores, o Espírito Arcangélico da Vida processava a limpeza da
atmosfera, recompunha o plasma criador, carbonizava detritos perigosos,
sensibilizava o campo magnético do duplo etérico da própria Terra e procedia à
higiene fluídica no perispírito dos homens!
A alimentação dos
nazarenos se completava com figos cozidos ou crus, tâmaras do Líbano, uvas
secas, azeitonas em azeite, pão de trigo ou preto, com mel de figo ou de
abelha. Em determinados dias da semana fazia-se uma espécie de manteiga com
leite de cabra, que depois era servida com os tradicionais pães miúdos, mistos
de polvilho e trigo.
Do livro SUBLIME PEREGRINO