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quarta-feira, 18 de setembro de 2013

A magia dos atabaques.

           
         Aquela noite estava especial e o céu apresentava um tom azul aveludado, salpicado de estrelas, com a lua entremeando as nuvens de um prateado difícil de ser descrito, porque o olho humano não tem alcance de todas as cores existentes. A atenção de Dina ia do céu para o anel que tinha no dedo, com uma gema da chamada “pedra das estrelas”, de um azul profundo salpicado de dourado. Era o seu anel predileto e naquele instante parecia que o céu refletia naquela pedra, tamanha a beleza da mesma. Seu pensamento vagou e a grandeza do planeta que habitava lhe veio à mente. Pensou na magnitude do Incriado e na falta de compreensão ante os mistérios da criação e da ignorância em que se mantinham ainda os seres humanos, apenas interessados no imediatismo do qual estavam cercados. Estava no jardim de sua casa e o perfume das flores inundava o ar, impregnando seu olfato com os mais variados perfumes, sobressaindo-se entre eles o aroma do jasmim do poeta e das madressilvas que enfeitavam os muros da residência. Amava aquele pedaço de chão e ali retemperava suas energias, porque era cercado de muito verde e localizado no sopé de um morro. Quando em dias apropriados fazia uma caminhada até o topo  vislumbrava a cidade lá embaixo, banhada pelo Lago Guaíba de um lado e de outro Itapuã e a Lagoa dos Patos, entremeada com variados tons de verde num contraste encantador, ficava emocionada por tamanha obra de amor desinteressado, projetada e construída pelos engenheiros siderais ao longo dos milênios, preparada carinhosamente para receber em bando de moleques espirituais em regime integral de aprendizado.
Como a noite estava avançada, Dina resolveu se recolher, precisava levantar cedo para desempenhar suas tarefas diárias, com a família e o trabalho. Encheu os pulmões com o ar fresco e perfumado da noite e retendo o aroma gostoso em sua memória se preparou para dormir. Tão logo se aninhou ouviu o estalar do lustre, três vezes, repetido com pequenos intervalos de segundos entre eles, sempre três estalidos de cada vez. Já acostumara com aquele som e com o passar do tempo compreendeu ser a forma que o Guia espiritual usava para comunicar que já estava esperando ela adormecer para então desdobrá-la e juntos saírem em aprendizado e trabalho no mundo astral. Sempre com atividades úteis e compreensão das tarefas a serem cumpridas. Assim que adormeceu viu-se em meio a um grupo de guerreiros portando material de batalha como lanças, espadas e outros de origem desconhecida. Em meio daqueles seres fortemente armados divisou uma ala com instrumentos musicais, quando seu orientador explicou  que logo compreenderia a razão dos instrumentos e deveriam partir  em jornada de resgate de sofredores e escravos em regiões umbralinas. Que os encarnados desdobrados dariam suporte fornecendo o ectoplasma necessário para os socorros nas referidas regiões, que nem todos se lembrariam do ocorrido e alguns teriam sentimentos confusos e lembranças de sonhos estranhos. Surgiu em meio ao exercito em formação um general anunciando a partida e ao levantar a espada ouviu-se o toque de clarins. As tropas se  movimentaram tão rápido que logo desaparecem e Dina sentiu o deslocamento no espaço voando noite adentro, num sentimento de liberdade e leveza, com o vento a sussurrar em seus ouvidos. Reconheceu  avenidas e praças e quando se aproximaram do Viaduto Obirici ouviu claramente o som dos atabaques, rufando na madrugada. Chegaram numa Casa de Caridade Umbandista que seria a base do trabalho da noite. A movimentação por ali era grande e o templo estava cercado por guerreiros fortemente armados, os portões e entradas guardados pelos Exus enquanto equipes se mesclavam com pretos velhos, caboclos, boiadeiros, marinheiros, ciganos, numa multiplicidade de formas e harmonia dignas de serem copiadas pelos encarnados. Quando se voltou para olhar a curimba ficou extasiada ao avistar entidades altas, fortes, esguias, cor de jambo, usando calças largas e coletes de seda, de um branco imaculado, turbantes na cabeça e uma pedra no alto da fronte. Quando as mãos batiam no couro dos atabaques um som mágico reverberava no ar e se deslocava com rapidez, formando correntes que se dividiam e reforçavam a segurança de tal forma que ninguém ultrapassava aquelas barreias e à medida que os socorridos iam chegando eram levados e encaminhados pelas ondas sonoras. Dina acompanhava o espetáculo que se desenrolava ante seus olhos quando sentiu um forte puxão que levou os encarnados desdobrados para o meio do abaçá, isolado pelo magnetismo e força do som e sentiu que dançavam num movimento harmonioso, enquanto o ectoplasma era recolhido, trabalhado e depois usado para curar e aliviar o sofrimento daqueles estropiados e necessitados de socorro. A entrega era  total. Parecia não possuir mais o corpo físico e a sensação de entrar na energia dos toques e cantos era tão forte e extasiante que poderiam ficar dançando completamente enlevados por horas a fio. O tempo não importava e não havia mais passado, presente ou futuro, somente o agora. Estava tão arrebatada que não percebeu quando foram reconduzidos aos seus lares às quatro horas da manhã quando Ogum rompeu a alvorada. Vislumbrou com vistas turvas o Guia espiritual desejando um ótimo dia na matéria. Com os olhos semicerrados  acenou lentamente e dormiu um sono profundo e reparador. Ainda repercutia em seus ouvidos o som mágico dos atabaques. 

Lirializ


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Alguns fundamentos dos atabaques

       O atabaque é um instrumento musical Sagrado na Umbanda, utilizado nos trabalhos espirituais para produzir vibrações energéticas, que são direcionadas pelo guia chefe, para determinados trabalhos realizados no terreiro.
         Há três tipos de atabaques: O Rum, o Rumpi e o Lé.
       O Rum é o primeiro atabaque, o maior entre os outros, e sempre é tocado pelo Ogan chefe, e só poderá ser tocado por outra pessoa, desde que o Ogan chefe permita. A função deste atabaque é dar os primeiros toques nos pontos, repicar e conduzir os trabalhos impulsionando energias, isso justifica tamanha importância e respeito por se tratar do atabaque do Ogan.
         O Rumpi é o segundo atabaque, de tamanho médio, e poderá ser tocado por qualquer outro filho considerado um atabaqueiro, e autorizado pelo o Ogan chefe. A função do Rumpi é dar somente o ritmo do toque e manter a harmonia, tendo sua importância particular, pois ele é responsável por sustentar a energia básica trabalhada pelo toque.
         O Lé é o terceiro atabaque, o menor entre os três, tocado pelo Ogan ou atabaqueiro iniciante, que ainda está em processo de aprendizado, seguindo sempre os toques do Rumpi. Pode ocorrer de que o guia chefe indique futuros Ogans e atabaqueiros, e o Ogan chefe tem o direito de compartilhar ou não desta indicação, caso seja compartilhada, cabe a ele designar o atabaque que será tocado pelo iniciante.
         O atabaque é composto por 3 elementos naturais, que são: a madeira, o ferro e o couro.
       A madeira, que é regida por Xangô, tem a função de equilibrar a vibração do som e sustentar o cumprimento da justiça divina durante os trabalhos.
O ferro, que é regido por Ogum, tem a função de fortalecer o trabalho realizado no atabaque, dando garra e força ao Ogan e demais atabaqueiros, para enfrentar as dificuldades que ocorrerem durante os trabalhos, e energeticamente garantir a ordem.
     O couro, que é regido por Exú, tem a função de atrair parte das energias condensadas trabalhadas dentro do congá, auxiliando na limpeza das mesmas, e quando o Ogan toca o couro do atabaque, a vibração produzida pelo toque, quebra a contra parte etérea destas energias, dissolvendo-as no astral.
     Sendo assim, o atabaque é responsável, juntamente com as entidades, pela manipulação de três energias básicas, que são: sustentação, ordem e movimento.
     Ao ingressar com o atabaque dentro do terreiro, é iniciado um processo de limpeza, para descarregar todas as energias depositadas no atabaque, desde quando foi manipulado para sua fabricação, até o momento de ser comercializado.
    Após ser descarregado, o guia chefe (dono do atabaque) imanta-o com suas mirongas, energizando-o e ligando-o com a energia da casa.
Feito isso, o atabaque está pronto para ser utilizado pelo Ogan ou atabaqueiro nos trabalhos realizados pelo terreiro.
     A responsabilidade do Ogan ou atabaqueiro é:
1) Do Ogan:
- Avaliação e aprovação dos pontos cantados que serão introduzidos nos trabalhos;
- Conservação e manutenção da pasta de pontos cantados;
- Ensinar os preceitos de utilização dos atabaques, mantendo a disciplina;
2) Do Ogan e atabaqueiros:
 - Cumprir com os preceitos de utilização;
- Conservação e cuidado com os atabaques;
- Responsabilidade do transporte dos atabaques (trabalhos realizados fora do terreiro);
- Se aprofundar nos toque e pontos cantados, e em seus fundamentos.
Tendo em vista o exposto, os atabaques jamais deverão ser utilizados para quaisquer outros fins, a não ser para os trabalhos espirituais realizados pelo terreiro.
                Texto: Ogan Diego Costa
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