O "fim do mundo" foi se impregnando no inconsciente coletivo, desde as civilizações mais antigas e de culturas diferentes. Quantas vezes dissemos é o "fim do mundo", diante de uma situação traumática ou inusitada, até por vezes hilariante em nosso dia a dia. Seguem 4 pequenas estórias, possíveis, fictícias, tristes ou engraçadas, mas plenamente viáveis e que ocorrem de verdade na ilusão da vida cotidiana.
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O mês de dezembro era para as famílias Persone e Lorcanid especial, pois seus filhos estavam com o casamento marcado para o dia 20 (vinte). Pertroni Persone e Laurianeye Lorcanid, belos, jovens, executivos de sucesso, unindo as famílias aumentariam o prestígio de ambas. Até porque estava mais que na hora de aparecer um herdeiro, pois as famílias estavam envelhecendo e isto era mau para a sucessão dos negócios. Tudo preparado com requinte, planejado com antecedência e bom gosto das mães, que amavam seus filhos únicos. Um evento social a ser comentado por muito tempo. Um quarteto de cordas embalaria os sonhos dos noivos e a imprensa estava convocada.
Faltando 15 (quinze) dias para o casório os noivos foram convidados para uma festa surpresa, preparada pelos amigos. Despedida de solteiro em homenagem ao casal. O evento aconteceria no apartamento do anfitrião, situado no 12º (décimo segundo) andar de um prédio classe alta. E
não tinha hora para terminar, somente para começar. E a festa transcorreu com
muitas surpresas. Tudo elegante, do bom e do melhor. Como dizem vulgarmente
“copa franca”. E de surpresa em surpresa
o telefone tocou às 4 horas da manhã na casa dos Persone e Lorcanid. Delegacia
de Polícia e Santa Casa de Misericórdia. Laurianeye foi jogada da sacada do
apartamento, e Persone tentara o suicídio. Após uma overdose geral dos
convivas. Quem fora o autor? Quem fornecera a droga? O que realmente aconteceu?
Para ambas as famílias se estabeleceu o
fim do mundo trazendo de lambuja o desespero, o caos pondo por terra os
sonhos construídos com base nas coisas mundanas, sem o mínimo preparo ante a
vida espiritual e com visão nos lucros, negócios e vida social. Os verdadeiros
valores não eram de fato cultivados.
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Em pleno final da
primavera a temperatura estava insuportável e a julgar pelo calor abafado que
estava fazendo o verão seria de fritar ovo no asfalto. E quando esquentava
parecia que os motoristas ficavam alterados e nos 38º (trinta e oito) graus que
marcavam os termômetros de rua, o cérebro das criaturas deveria mesmo
fundir. A descortesia e a falta de
educação no trânsito aumentavam ainda mais e o melhor era fechar o vidro do
carro e ligar o ar condicionado, para chegar ao trabalho limpo e com ar de
recém-saído do banho. Caso contrário o suor tomava conta e a pessoa parecia uma
lata de azeite, com a cara gordurosa de suor e a roupa desalinhada. Calorão
assim é bom para quem está curtindo uma prainha ou as montanhas. O trabalhador
gosta de temperaturas amenas. Coitado de quem trabalha na rua. Ô vida! Ô
necessidade do sustento!
Jorjão se deslocava da Zona
Norte para a Zona Sul de Porto Alegre e estava estressado. Fora xingado de
velho gagá, pé-de-chinelo tira essa lata-velha do caminho, vai prá casa colocar
pijama. Tivera a frente cortada, o espelho da esquerda ameaçado por um
motoqueiro, perseguido por um maluco que queria andar em alta velocidade quando
o permitido na via era 50kn/h. O ar condicionado do carro estava com defeito e
ele suava em bicas. Entrou num engarrafamento na Terceira Perimetral e levou
horas para chegar até o cliente que deveria visitar. No final do dia sofreu um
abalroamento na traseira, por uma gostosona que dirigia um carro importado e
falava ao celular. O Semáforo ficou vermelho e ela não percebeu. A freada foi
de cantar pneu, mas não adiantou, desmanchou o carrinho nacional de Jorjão.
Furioso ele saiu do carro querendo bater o brim do sujeito, em pleno cruzamento
da Ipiranga com a Perimetral, ao final do dia, num trânsito infernal.
Dirigiu-se furibundo ao motorista e quando viu a bela dona e linda mulher, toda
dengosa e fazendo beicinho pensou:
- Afinal o mundo ainda não está perdido! O
mundo não acabou! É só uma batidinha à toa, o seguro dela cobre! Cuspiu na mão,
alisou o cabelo e foi todo faceiro prosear com a chinoca!
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Dezembro de
l985 e a família Amarantonios reuniu-se
para a ceia de Natal. Josélia e Gregoriana dividiam a direção da empresa deixada
pelo pai. A mãe Abigaildinha se aposentara e deixara as filhas tomarem conta.
Estavam indo de vento-em-popa e os lucros vinham certos ao final de cada mês. A
ceia de natal era na casa de Josélia, a quatro quarteirões da casa de Gregoriana.
A mãe delas, Abigaildinha, morava com a filha Josélia. Tudo resolvido, casa
enfeitada, amigo secreto em família que não eram dados ao desperdício. A
alegria de estarem juntos contagiou a todos e ficaram confraternizando até de
madrugada.
Abigaildinha, por insistência
dos netos resolveu pernoitar na casa de Gregoriana e Petroniolo que contava 23
anos e cursava arquitetura com excelente aproveitamento e era o orgulho da
família, a pedido da avó levou-a mais cedo para casa. Retornaria em seguida
para buscar os pais. As horas estavam passando e como o rapaz não aparecia,
telefonaram para a residência deles e a avó informou que o neto tinha saído
logo em seguida e por ser um trajeto curto, deveria ter chegado. O susto foi geral e iniciaram os contatos com
os amigos para saber onde ele estava. Após várias tentativas sem sucesso,
resolveram iniciar a busca pelos hospitais da cidade. O telefone tocou e ao
atender Gregoriana ficou branca e desmaiou. O marido atendeu e ouviu alguém
falando que precisavam se dirigir para tal local, pois o filho se envolvera num
acidente. Saíram todos apressados e ao chegar ao ponto indicado, preferiram não
ter visto a cena. O corpo estava prensado dentro do carro, morrera na hora.
Ficaram sabendo que outro motorista, totalmente embriagado, não respeitara a
sinalização e em alta velocidade, demoliu o carro do rapaz. Demoliu também a
esperança daquela família. Para eles era o fim do mundo. Das expectativas e de
um futuro promissor, ao lado das conquistas do moço. E agora despedaçados
teriam que com o tempo juntar os cacos de suas almas feridas e recomeçar.
Somente a crença em Deus e o amor pelo outro filho dariam a eles condições de
se reerguer do buraco negro a que foram jogados.
* * *
Lembro-me de um
Natal em família. Na casa de meus avós. Três gerações reunidas. Os mais
jovens queriam música moderna, os do meio gostavam de blues, jazz, bossa nova e
os mais velhos grandes orquestras, boemia. Os pequenos em meio a tanto barulho
abriam o berro. Ninguém escutava ninguém. As mães tentavam em vão acalmar a
criançada que corria por entre os adultos até que um deles tropeçou no Vovô,
que trazia a jarra com o ponche de frutas geladinho e o velhinho caiu
sonoramente, praguejando em alemão e amaldiçoando aquelas crianças endiabradas.
Naturalmente que a jarra e a bebida ficaram espalhadas pelo chão e os cacos de
vidro brilhavam em harmonia com as luzes do pinheirinho. Na hora da ceia um
magnífico banquete, com tudo que a imaginação possa criar. Frutas, legumes,
verduras, compotas, nozes, castanhas, ameixas, amêndoas. Uma ala carnívora e
outra vegetariana, separados para não dar bate-boca. Ah! A mesa dos doces,
elaborados carinhosamente. Bolos de
todas as cores e sabores, e quando Tia Vivinha cortou uma generosa fatia ouviu
um grito: Cuidado que engorda! Estava declarada a guerra dos magros contra os gordinhos. Mas o final foi mais espetacular ainda,
quando uma amiga de Vovó pegou algumas frutas e conservas e comentou
delicadamente:- Titita querida, que azeitonas deliciosas! Vovô ouviu aquilo,
deu um baita safanão no prato dela que voou longe e gritou:- Criatura larga
disso não é azeitona é besouro! A mulher começou a berrar e gritar! Socorro!
Isto é o fim do mundo! O que mais falta acontecer? Com certeza minha avó era
corajosa!