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quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Um patuá para me defender

      
      Anualmente no aniversário da choupana, que ocorre todo dia 13 de maio, distribuímos patuás para todos que comparecem na sessão festiva especial. Além do aspecto festivo da data cabe uma reflexão sobre a comunidade que está envolvida na manutenção e expansão do terreiro enquanto pólo irradiador de caridade amparada no mediunismo.
        Não poderia deixar de pensar profundamente sobre as repercussões sociais e psicológicas envolvidas em todas as atividades desenvolvidas, especialmente quando me deparo com um grupo de médiuns mulheres, sentadas na frente do congá, numa tarde de sábado calorento, alegremente costurando os patuás que serão distribuídos. Há que se refletir que determinadas tarefas e funções, nós homens não admitimos participar, mesmo veladamente. Será por isto que muitos médiuns homens não admitem ver-se costurando ou ainda existem varões que bloqueiam a manifestação de uma entidade feminina, como sói acontecer em relação às caboclas das águas ou pomba giras?
       Uma comunidade, conforme definição da ecologia,  a totalidade de organismos vivos que fazem parte do mesmo ecossistema e interagem entre si. Em sociologia, uma comunidade é formada pelo conjunto de pessoas que dividem um mesmo objetivo, convivendo juntas sob uma mesma normatização, compartilhando um mesmo legado político, cultural e histórico. Então, uma comunidade de terreiro é o conjunto de pessoas envolvidas nas atividades rituais requeridas. Obviamente o impacto de sua rede de relações extrapola largamente as portas do terreiro, sendo a assistência – grupo de pessoas que vem em busca de auxílio – seu principal foco de atuação. Esta comunidade está amparada na captação, manutenção e distribuição de axé – força mágica dos orixás -, envolvendo um aglomerado de consciências maior que a definição sociológica comporta, dado o mundo invisível – os espíritos - é a sua verdadeira mantenedora. Então podemos afirmar que uma comunidade de terreiro é formada pelos encarnados, médiuns e assistência, e pelos desencarnados, entidades espirituais como guias e protetores, e espíritos que vem a casa no mundo etéreo acompanhando os encarnados que comparecem na Terra.
         Tudo que se faz numa comunidade terreiro tem impacto etéreo, energético e no mundo dos espíritos. As médiuns sentadas costurando os patuás para serem entregues na sessão festiva que se aproxima, impregnam os elementos utilizados com a ponta de seus dedos e sentimentos. A alegria e o bem estar de estarem unidas numa tarefa comum em prol do bem estar de uma coletividade, que por sua vez almeja a re-distribuição de axé – força dos orixás -, que estará contido nos patuás, são o alimento indispensável no dia a dia do terreiro. Assim juntas e felizes, acabam magnetizando os elementos necessários para a sua confecção, propiciando a alteração nas redes elétricas quânticas que compõem sua estrutura molecular etérica, fazendo com que as estruturas orgânicas que compõem o tecido, as linhas, as fitas, o arroz, as lentilhas, as ervas,..., que fazem parte do patuá, imantadas e propícias para receberem a consagração dos guias enquanto estiverem no congá com esta finalidade. Se assim não fosse, não se tornariam um condensador energético do axé de abundância e prosperidade a que se destinam.
         Na rede de relações sociais e psicológicas internas do terreiro está baseada a sustentação de toda a egrégora espiritual. No bem estar e harmonia propiciada pela convivência templária que se costura o pano original mantenedor de todos os fundamentos do terreiro. O respeito mútuo, a camaradagem, a vontade de rever os colegas de corrente, a cumplicidade, o comprometimento, o desinteresse pessoal, a humildade, a parcimônia, enfim, o sentimento de igualdade fraterna que a roupa branca nos dá quando consolidado no psiquismo interno, oferece-nos a segurança e a confiança no grupo. Expandindo-se este estado de espírito, cria-se importante mola propulsora de todos os trabalhos espirituais, pois é a partir deste clima psicológico que os guias encontram ambiente vibratório ao qual conseguem se manifestar em seus aparelhos. A partir de então, espraia-se pela assistência a sensação de bem estar e aconchego, de confiança e de veneração ao congá, fazendo com que o axé se movimente entre todos que vêm ao terreiro, retro-alimentando a egrégora espiritual e a fortalecendo, eis que as pessoas que comparecem a casa também são doadoras de ectoplasma – axé, energia vital, prana.
           Há que se considerar a repercussão na sociedade que as atividades desenvolvidas no terreiro apresentam. A ética, a idoneidade, a moral, a gratuidade, o altruísmo, o respeito à preservação do meio ambiente, entres outros aspectos intangíveis que extrapolam o tangível que são os elementos rituais, os cantos, os cheiros, os sons, as ervas, os atabaques, as imagens,..., sustentam a confiança social que se requer para consolidação de um terreiro. O zelador do axé, o dirigente espiritual, conhecido no meio umbandístico como sacerdote, é em primeira instância o responsável por estar zelando toda a gama de relações, inter-religiosas e intra-religiosas que são de sua única responsabilidade, buscando o bem estar geral. Desde as questões internas, a disciplina, a assiduidade, o estado emocional de cada médium,..., bem como os tratativas externas, recepção dos consulentes, acomodação e bem estar enquanto presentes nas sessões. Ainda é o responsável por todos os procedimentos que impactam na opinião pública, desde que a agremiação pela qual responde interage com o meio que a cerca: ecologia, outros centros, familiares de médiuns e assistentes, pessoas que procura ajuda, prefeitura,..., responde por todos os requisitos legais mantenedores do terreiro enquanto instituição de interesse comunitário.
          A importância das festividades, concretizadas em sessões especiais com esta finalidade, como o são o dia do orixá regente ou de aniversário do terreiro, é crucial para que tenhamos encontros marcados para o congraçamento recíproco num clima de alegria em feliz fraternidade, diferente do dia de sessão de caridade normal, ocasiões em que prepondera a dor e o sofrimento, os queixumes e as choramingas. É no encontro festivo que a “família de santo” recebe efusivamente os que vêm ao terreiro. Através de um sarau musical com pontos cantados com a distribuição de patuás ao final, todos se abraçando e confraternizando num ágape – encontro de amor-,  que se está reforçando e consolidando os relacionamentos entre cada indivíduo que compõe a comunidade. Assim também acontece com os espíritos; eles também sentem alegria e ficam felizes junto com os médiuns, vindo nestas ocasiões muitas entidades visitar o terreiro, parentes de médiuns, guias que “descem” de esferas vibratórias que comumente não atuam na crosta. É uma festa muito além de nossos olhos, tato, ouvidos e paladar.
       A distribuição de patuás para a assistência, tradição no aniversário da choupana, materializa o axé de abundância e prosperidade de Oxoce – orixá regente de nosso congá. O patuá é uma forma de amuleto, palavra que deriva do latim Amuletum, sinônimo de ciclâmen, uma planta utilizada antigamente para proteção contra venenos. Então o patuá é um tipo de amuleto ou escudo contra influências maléficas. Diz a cultura popular que ele deve ser usado junto ao corpo, como proteção e atrativo de sorte e saúde. Os amuletos são objetos comuns em diversas sociedades e épocas, variando os símbolos utilizados. A simbologia ganha conotações diversas entre épocas ou culturas diferentes. Na verdade, mesmo que entendamos os fundamentos de magnetização que imantam os elementos usados na confecção dos patuás, pensemos que o seu poder emanado não tem nenhuma valia sem a crença de quem os utiliza.
       A crença da assistência, construída na confiança na corrente mediúnica, que por sua vez consolida-se nas relações positivas entre os indivíduos participantes da comunidade do terreiro, que propicia a ambientação vibratória requerida para o rebaixamento energético e manifestação dos espíritos guias, assim materializada e apoiando-se nos patuás, expande a força emanada de nosso congá pela distribuição e movimento desta mesma força - axé.


Na Umbanda eu mandei fazer
No terreiro mandei preparar
Um patuá meu Pai
Um patuá
Um patuá para me defender
Um patuá
Um patuá para me defender

Texto: Diário Mediúnico - Ed. do Conhecimento.
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