Capa

terça-feira, 15 de maio de 2012

Fiz tudo certinho. E agora!?


           Aconteceu em noite de Exu.
        Numa sexta feira de intenso frio.
        Mas nem o frio espantou o público que frequentava a casa de caridade, um templo umbandista espírita, que recebia a todos com respeito e fraternidade.
        Uma casa pequena, porém com direção espiritual segura e baseada no Evangelho. Dedicada ao estudo e aos cursos sistematizados e doutrinários, levando o esclarecimento aos interessados em progredir através do autoconhecimento, da educação mediúnica.  
        Aquela mulher chegou para consulta com Exu. Participou da palestra, mas não entendeu o recado do palestrante que dizia:
        - Nesta casa de caridade não fazemos trabalho para tirar marido ou mulher de ninguém. Não arrumamos casamento para ninguém. Não fazemos trabalho para ganhar promoções, principalmente à custa de outros. Não fazemos sacrifício de animais. Não fazemos trabalho para fertilidade ou infertilidade de ninguém. Não fazemos trabalhos para acertar na loteria. Não trabalhamos com artes divinatórias. Não cobramos.
        - Esta é uma casa de caridade espírita umbandista, onde pregamos o evangelho de Jesus, divino pastor, levando esperança para as almas sofridas. Esclarecendo sobre as Leis divinas e suas implicações cármicas.
        - Hoje é noite de Exu!
        - Antes de pedir qualquer coisa para Exu, te reconcilia com teus desafetos. Como pedir se ainda é devedor? Cuidado com o que pede, a justiça tem dois lados e Exu, trabalha a justiça. Sem dó nem piedade. Porque está além, muito além dos descaminhos humanos, dos estratagemas e subterfúgios para obter o que se deseja de forma fácil e sem maior esforço.
         Mesmo com toda a explicação dada na palestra, sobre o trabalho dos Exus, ela escutou, mas não registrou. Seu pensamento estava fixo, tinha uma ideia cristalizada na cabeça e não sairia dali sem encontrar as respostas. E seria Exu quem as daria. O palestrante havia dito que Exu abria os caminhos das pessoas, então estava mais que na hora de abrir os seus. Se existia lei de alguma coisa, queria fazer valer a sua. Os seus direitos. Estava decidida a fazer uma série de perguntas a Exu. Vinha em busca de soluções.
         Afinal de contas estava fazendo tudo certinho e nada. Nada estava dando certo. Pelo contrário parece que o mundo estava desabando ao redor dela. O tempo passava e ia ficando mais velha a cada ano e nada de família, nada de marido, nada de filhos. Até quando? Até quando meu Deus?
        Exu, entretanto daria a solução para o seu caso! Com toda a certeza! Alguém tinha que fazer alguma coisa! Pensou, resmungando, ruminando entre dentes.
        E foi com este teor de pensamentos, dominando sua vontade, o seu pensar, que esperou ansiosamente iniciar os trabalhos de passes e consultas.
       Levou um susto, quando ouviu chamar o numero de sua ficha de atendimento. Parecia que estava em choque, fora da realidade, tanto que foi preciso que sua irmã que a acompanhava, falar duas vezes que havia chegado a sua vez. Ela não entendia direito, estava com a cabeça rodando. Até que teve seu braço sacudido e escutou:
        -Tanira! Tanira! Acorda mulher! Estão chamando teu número! É tua vez! Mexe-te criatura! Tanira tu está te sentindo bem?
        - Hã? O que foi? Não entendi. Respondeu estonteada.
        - Tanira estão chamando tua ficha. Vai até lá. É tua vez. Anda, senão chamam o próximo em seguida.
        Ela pulou da cadeira em que estava sentada e saiu depressa. Já estava sem sapatos, porque naquele abaçá - terreiro - os consulentes entram descalços e sem bolsas, sacolas ou coisas que se assemelhem. Todos os pertences ficam no salão onde depois são retomados pelos seus donos.
        Quando chegou frente ao médium que a atenderia, recebeu o passe e uma limpeza dos fluidos densos, pesados, das formas pensamentos, que no seu caso se estendiam dos ombros até quase a cintura. Momento em que sentiu certo alívio e diminuir a tontura.
        Enquanto Exu trabalhava silenciosamente Tanira cheia de curiosidade e um ar de atrevimento discreto lascou:
        - Eu sei que o Senhor é um Exu. E ouvi dizer que os Exus abrem os caminhos das pessoas.
        - Então estou pedindo que, faça algo para abrir os meus.
        Assim, com firmeza e amorosa fraternidade ele questionou, entretanto sabia de antemão, ou seja, o que aquela filha necessitava?
        E ela disparou, quase sem respirar para não perder a coragem:
        - Eu estou frequentando a casa já faz um bom tempo. Quando fiz a primeira consulta, me disseram para fazer um tratamento de palestras, passes, limpeza em numero de sete (7). Já fiz mais de sete e até agora nada. Nadica de nada! Afinal quando o meu pedido vai se realizar?
        - Mas o que a irmã pediu? Exu perguntou para dar oportunidade ao médium de entender o que se passava.
        - Eu estou passando da idade de casar, ter marido e filhos. Quero constituir uma família. Dedicar-me ao meu marido.
        - Já fiz o que me mandaram e nada! Afinal se já fiz o que recomendaram agora eu quero ver realizado o meu sonho. Quero ter filhos. Quero um marido. Afinal tenho direito.
        - Mas porque a irmã não adota uma criança, para ver seu sonho de ser mãe realizado? Mãe e pai são aqueles que criam. Nem sempre os que geram cuidam com amor. Tem tanta criança abandonada precisando de um lar, de pais verdadeiros, de amor.
        Ante este conselho dado carinhosamente ela retrucou, com desdém:
        - Nem pensar! Não quero criar filhos dos outros. Quero os meus filhos. Meu e de meu futuro marido! Quero família gerada do meu sangue. Sem essa!
         Ante esta resposta o médium sentiu que Exu, mesmo sendo calejado nos rumos da vida, conhecedor profundo dos seres e de suas desditas, encheu os olhos de lágrimas, o que por consequência fez o médium lacrimejar, sentindo uma tristeza profunda pela falta de esclarecimento de Tanira. Chorar verdadeiramente com o coração cheio de misericórdia por aquela criatura que lhe cobrava, por algo que acreditava ser direito seu. Tinha feito um escambo com a espiritualidade e queria o que havia solicitado. Não lhe interessava se tinha mérito. Não entendia as Leias Divinas que dão a cada um de acordo com suas necessidades, seus méritos, suas obras.
        Pessoas que agem e pensam desta forma acham que podem fazer trocas com a espiritualidade e vão ter todos seus desejos satisfeitos. Que basta prometer algo ou cumprir com o que foi pedido ou recomendado pelos  médiuns/entidades para ver seus peditórios atendidos.
        Exu não tendo mais o que falar, terminou o passe e pensou que Tanira teria nos seus caminhos a dor como aliada e companheira, até que a luz do evangelho entrasse em seu coração e mudasse seu modo mesquinho de enxergar a vida.
        Lições! Duras lições para aqueles que não percebem o quanto é suave o jugo de Jesus, que vive no templo interno de cada um. Dentro de cada coração. Bastando viver com dignidade aceitando os percalços como suaves ensinamentos. E que o Pai não nos abandona. Nós é que nos afastamos dele, por prepotência, orgulho e vaidade.
        Pobres seres humanos! Tanto a aprender! Tanto a sofrer!


Lizete - Médium do Triângulo
Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...

Google analytics